Familiar com Deficiência, Centro de Tudo?
Quando pensamos na pessoa com deficiência como centro da família, temos de fazer inúmeras ponderações. Claro que não posso falar sobre os outros, ou se é regra geral, vou tentar expor apenas a minha vivência.
Acho que a honestidade é fundamental, por isso não pretendo "pintar de cor-de-rosa" a realidade: Quando em uma família alguém fica ou nasce com uma deficiência, não é só aquele alguém que tem que se adaptar a nova realidade, mas toda a família tem que mudar sua dinâmica compulsóriamente. Este não é um movimento fácil, sincronizado ou consciente; as coisas vão acontecendo atabalhoadamente e é como se você fosse envolvido por uma gigantesca onda: ficamos sem fundo, falta onde colocar o pé de apoio.
Cada membro da família reage de uma forma e em um tempo peculiar; isso cria um caos nas relações familiares (as pessoas já não interagem da forma como o grupo estava acostumado). Alguém sempre fica com a parte mais ativa, outros se "escondem", alguns se revoltam ou ficam inconsoláveis. Enfim, cada um reage de acordo com sua personalidade.
O mais difícil de tudo é a criação de uma nova dinâmica familiar que satisfaça a todos razoavelmente. O pior é que tudo não acontece de forma ordenada. O dia-a-dia é que vai criando essa nova ordem... e muitas vezes ela não "agrada" a maioria!
Eu, como mãe, posso dizer que é extremamente difícil desempenhar todos os papéis que nos cabem num grupo familiar. Afinal, eu não sou só a mãe do Eduardo, mas também a mãe do Ricardo, a mãe da Flávia, a mulher do Jorge e, principalmente, eu sou a Ana Lúcia, uma pessoa com sonhos e anseios.
Como compatibilizar tudo isso se o Eduardo tem necessidades específicas??? Como eu explico a minha filha de 5 anos, que agora a mãe dela tem um outro filho que lhe exige muito mais dedicação, tempo e preocupações?? Como demonstrar de forma explícita que meu amor por eles não diminuiu, se meu tempo, minha presença e minha atenção com eles diminuiu consideravelmente? Se eu viajo para tratamentos com o Eduardo e o pai deles e eles ficam sozinhos com a empregada? Como crianças de 8 e 5 anos reagem a isso??? Como eu e meu marido vamos manter a magia do amor, o tesão, se ambos nos encontramos vulneráveis, preocupados, tristes ou revoltados? Como prossigo inteira, se tantas partes minhas estão carentes?
Não é como uma doença, que é uma coisa transitória. É definitivo e para o resto de nossas vidas!!! Como disse no início, é um problema difícil de ser equacionado... Meus outros filhos ficam com meia mãe? meu marido com meia mulher? eu com meio marido? Ou seja, todos nós ficamos partidos e fragmentados! Isso, ao longo do tempo, também pode se transformar em uma carga extremamente pesada para todos os integrantes da família.
Assim, entendo que a pessoa com deficiência não pode se transformar no centro da família. Ela é mais um membro desta família, onde todos têm direitos, onde todos tem seu espaço que deve ser preservado e respeitado.
Posso garantir que não é fácil tomar essa atitude, porque muitas vezes ao por em prática nos sentimos egoístas. Mas quando temos essa coragem as relações familiares dão um salto de qualidade, ajudando a própria pessoa com deficiência a não ficar se sentindo o "coitadinho" e, como tal, tendo direito a todas as atenções... Penso que ajuda a pessoa com deficiência a saber que, também ele, tem que batalhar o seu lugar no mundo, até porque o mundo não vai tratá-lo como centro de nada...
Não estou dizendo que a pessoa com deficiência não precise de cuidados especiais, estou dizendo que TODOS os membros da família têm o direito de viver bem e de sentirem-se amados por todos da mesma maneira. Lembro uma vez que meu marido disse: "o Eduardo pode fazer o que quiser". Eu retorqui: "Ah, não pode não, ele tem que ter limites iguais aos irmãos dele". E posso garantir para você, ele tem limites e fica de castigo quando faz o que não pode.
Poderia falar muito mais, mas já me alonguei muito. Espero ter conseguido dar uma pincelada de como vejo as reações com a família da pessoa com deficiência.