Ser albino é ser humano.
“Olá, professor(a). Meu nome é Geraldo Fabiano. Peço licença a você para contar minha história, pois acredito que assim estarei contribuindo para adicionar a seus conhecimentos mais uma informação que certamente é de suma importância.
Era o meu primeiro dia na escola. Meu uniforme novo estava impecável. Eu deveria me sentir a pessoa mais importante da escola. Mamãe levou-me até o portão, deu-me um beijo na bochecha, sorriu e, com um gesto amoroso empurrou-me na direção da porta, como que dizendo:
- Vá, filho, coragem, você vai amar a escola!
Andou uns três passos para trás, acenou, ainda sorrindo, virou as costas e voltou para casa com a promessa de que voltaria para me buscar. Fiquei com vontade de correr atrás dela, agarrar-me à sua saia e implorar:
– Por favor, mamãe, não me deixe aqui! Está todo mundo olhando para mim! Eu não quero ficar aqui!
Mas, a única coisa que fiz foi engolir seco, secar uma lágrima teimosa e entrar com os demais alunos.
Aquele foi o início do que eu chamaria mais tarde de via crucis. Um caminho forrado de espinhos chamados bullying, pedras pontiagudas chamadas preconceito, atalhos perigosos chamados baixa autoestima e penhascos vorazes chamados revolta. Um caminho doloroso rumo ao amadurecimento, à aceitação e à superação. Sou albino. Sou diferente dos outros. Eu sou afrodescendente, mas tenho olhos de tonalidade rosada, pele muito branca, pelos muito claros e um estrabismo que me faz parecer muito esquisito. Uso óculos, e, como nem sempre eles são suficientes, trago sempre comigo uma lupa para enxergar melhor as letras menores dos livros ou revistas. Acho que agora você entende porque eu queria correr para casa. Cresci, tornei-me adulto, aprendi a lidar com meus sentimentos e a me amar como sou. Isso não aconteceu da noite para o dia, nem de um ano para outro. Foi um longo e doloroso processo que, na verdade, continua em andamento.
Deixe-me apresentar-lhe alguns pontos muito importantes sobre a minha condição, que atinge uma em cada 17 mil pessoas no mundo de todas as raças, níveis sociais e culturais.
Aspectos Biológicos.
Eu sofro de uma incapacidade de produzir uma substância chamada melanina, que forma uma barreira natural contra as radiações do Sol. A melanina é responsável pelo pigmento que dá cor à pele, aos olhos e aos pelos. Meus nervos ópticos, que ligam os olhos ao cérebro, são afetados pelo albinismo. Em virtude disso, praticamente todos estes nervos se cruzam. As imagens que vejo nunca se combinam, mas meu cérebro se adapta rapidamente, deixando uma única imagem. Mesmo assim tenho problemas para enxergar em profundidade. Além disso, tenho estrabismo. Um dos meus olhos parece se mover independentemente do outro. Alguns albinos também apresentam hipermetropia, astigmatismo, miopia, transiluminação da íris e nestagismo. No meu caso, e é o que acontece com mais frequência, tenho fotofobia e baixa visão.
Causas do Albinismo.
Como você sabe, “cada caso é um caso”. Isso não é diferente aqui. No meu caso, especificamente, meus pais, que foram orientados a fazer um exame genético depois que eu nasci, não apresentam o albinismo, mas ambos são portadores do gene da doença. Quando fui concebido os dois genes que continham a mutação se juntaram fazendo com que minhas células em formação não fossem programadas para produzir melanina. Outros casos podem ser resultado de falhas acidentais ou herdadas em um ou mais genes que regulam a produção de melanina. A intensidade dos efeitos da doença também varia de caso para caso.
Tipos de Albinismo.
Existem dois tipos de albinismo. O óculo-cutâneo e o ocular. O meu tipo é o primeiro. Algumas pessoas com esse tipo de albinismo podem apresentar movimentos involuntários dos olhos e, em casos mais severos, chegar à cegueira. As pessoas que têm o segundo tipo têm só os olhos afetados. Sua íris pode variar entre o azul e o verde. Há alguns casos de olhos castanho-claros, tornando necessários exames oftalmológicos para detectar o albinismo.
Tratamento.
Ainda não foi descoberto um tratamento que pudesse adicionar melanina em pessoas albinas ou medicamentos capazes de levar o corpo a produzir esse elemento. É muito importante que se faça tratamento com oftalmologista em idade muito precoce para possibilitar a melhora da visão.
A criança albina na sala de aula.
Nem sempre meus professores tinham conhecimento das implicações de minha condição e não compreendiam minhas necessidades. Isso me tornava um aluno inquieto e de baixo rendimento escolar. Mas meus pais, interessados no meu desenvolvimento e na minha aceitação, conversaram com eles esclarecendo coisas como:
- Geraldo precisa sentar na primeira fila para ter uma visão melhor do quadro de giz;
- Sua carteira tem que ficar numa posição que evite lâmpadas muito fortes ou o reflexo da claridade das janelas;
- As letras de provas e apostilas têm que ser maiores que as dos demais alunos;
- É importante que o professor leia em voz alta a prova para ele;
- Ele pode precisar de mais tempo que os outros alunos para fazer a prova, então, aumentem o limite de tempo para ele;
- Permita que ele faça uso da lupa;
- As pautas dos cadernos e das folhas das provas têm que ser muito nítidas (pretas, de preferência) e o espaço entre elas tem que ser maior para facilitar a escrita;
- Geraldo adora participar das aulas de Educação Física, por isso ele tem que passar protetor solar de alta proteção umas quatro vezes por dia, usar calças compridas e camisetas de mangas compridas;
- A exposição ao sol é muito perigosa para ele, tanto para a pele, quanto para os olhos, então essas atividades devem ocorrer em ginásio coberto. Quando tiverem aulas de natação, Geraldo só poderá participar da atividade quando a piscina for coberta;
- Sendo que Geraldo não enxerga muito bem, evite comunicações por meio de expressões faciais ou gestos, ele poderá não perceber isso. A comunicação verbal e física é a mais apropriada.
Esclarecer alunos e professores.
A conversa que meus pais tiveram com alguns dos professores surtiu efeito. A professora de Educação Física, percebendo que alguns dos meus colegas zombavam da minha condição (bullying), interrompeu a aula para falar de forma clara e sábia, com muito tato e firmeza, sobre o albinismo e suas implicações. Aproveitou para debater sobre a importância do respeito, da aceitação e da empatia, valores que já estavam sendo esquecidos por alguns dos meus colegas. Não posso dizer que os problemas acabaram, mas minhas relações sociais na escola melhoraram muito e passei a me sentir parte do grupo, pela primeira vez na vida! Graças a essa intervenção, minha autoestima melhorou bem como meu desempenho escolar. Como é bom receber apoio e ser aceito!
Geraldo Fabiano é um personagem fictício criado para tornar a leitura mais leve e interessante.
As informações contidas neste artigo são baseadas em Albinismo – Manual Educativo Para Professores, preparado por Anny Caroline Marquito, Danielle Ferreira Czmyr, Giselle Nayara Silveira e Letícia de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009.
Divulgado pela Rede Adventista de Educação.
Sites para mais pesquisa:
http://www.albinism.org
http://albinosdomeubrasil.blogspot.com
http://www.albinoincoerente.com