Reabilitação e Informática.
Chamo-me António Manuel Silva, tenho 44 anos e moro em Portugal. Fiquei cego há cerca de 17 anos em virtude de glaucoma. Tive de passar pelo tradicional processo de reabilitação, tal como acontece a todos os outros nas mesmas condições e, desde logo, percebi que o sistema não funcionava, a reabilitação era desajustada, longe de casa, sem nenhum apoio psicológico e, acima de tudo, nada vocacionada para uma vida moderna e independente.
Tive a sorte, por ter na altura feito alguma pressão, de ter tido aulas particulares de reabilitação, principalmente mobilidade, Braille e datilografia. Tive a sorte também de encontrar, nesse percurso, pessoas fantásticas, que me ajudaram muito e me ensinaram o fundamental de uma forma muito mais personalizada e rápida.
Acordei para informática nessa altura e, desde logo, percebi que poderia ser uma excelente alternativa para os cegos, que era um extraordinário meio de comunicação, entretenimento, fator de socialização e uma boa saída profissional. Como ninguém ensinava informática, ainda hoje os cursos são escassos e de fraca qualidade, deitei mão a uma das minhas principais características: a curiosidade e vontade de aprender. Numa sociedade em que os cursos e os diplomas são o mais importante, orgulho-me de que o que aprendi ter sido por modo próprio, lendo muito, tendo sempre curiosidade por tudo o que era, e é, novo.
Há cerca de dez anos esse meu trabalho foi reconhecido e entrei para a Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), para um serviço que estava iniciando e que pretendia dar apoio aos alunos com deficiência da visão. Foi um trabalho pioneiro no apoio informático que, ao que parece, consegui realizar bem. Atualmente este serviço presta também apoio à outras deficiências, mas o apoio informático às pessoas com deficiência visual continua a ser um trabalho que faço com muita paixão e vontade. Embora não pretenda nem queira nenhum tipo de reconhecimento, fico feliz por ver, quantas vezes até nas listas de discussão, pessoas que se iniciaram na informática comigo e que, hoje em dia, encontram no computador tudo aquilo que eu escrevi mais acima quando fiquei cego.
Para além do apoio informático, também faço avaliação de acessibilidade em sites Web ou em páginas ligadas à UP, testo novos equipamentos e faço a manutenção do material informático pertencente ao serviço. Também estou envolvido num projeto de criação de uma biblioteca aberta para estudantes com necessidades especiais a freqüentarem o ensino superior.
Foi no início da minha chegada à FLUP - Faculdade de Letras da Universidade do Porto - que conheci o Daniel Serra, sendo este utilizador do serviço. Logo percebemos que tínhamos gostos comuns e uma série de boas idéias para colocar em prática. Criamos alguns pequenos aplicativos para utilização por pessoas com deficiência visual, corrigimos e criamos scripts para os leitores de tela da época, etc. No entanto, a realização mais importante foi a criação do site Ler para Ver , de que já nem adianta falar e o grupo de discussão ligado à informática Querer Saber.
Fora do meu trabalho normal ligado à deficiência, reparto o meu tempo entre a paixão da rádio, sou colecionador de equipamentos radiofônicos antigos tendo, há mais de 5 anos, um site dedicado à rádio, que com o decorrer do tempo se tornou no maior site em língua portuguesa sobre esta matéria e que curiosamente tem permitido bons contatos, relacionamentos e amizades com muitos brasileiros entusiastas da rádio. O site em questão é A Minha Rádio. .
Pronto, acho que por mais que me esforce, não consigo arrancar mais nada ao meu perfil. Ficam o Ler para Ver, o Querer Saber, A Minha Rádio e muitos cegos que poderão confirmar o que acima disse.
Cordialmente,
António Silva.