Caixas Eletrônicos Bancários Acessíveis.
Ana Paula Crosara de Resende: - Olá ouvintes, o Quadro de Igual para Igual de hoje irá falar sobre Acessibilidade em Caixas Eletrônicos. O e-mail anapcresende@gmail.com está a disposição para sugestões, críticas e dúvidas. Se você tem dificuldade de audição ou conhece alguém que gostaria de ter o texto transcrito deste programa, pode solicitar por e-mail ou pelo telefone do meu escritório de advocacia (34) 3212-3866.
Para falar sobre o tema de hoje, conversamos com Paulo Romeu Filho, coordenador do grupo de discussões na ABNT sobre acessibilidade em caixas eletrônicos.
Bom dia Paulo.
Paulo Romeu Filho: Bom dia Ana Paula, tudo bem? Bom dia para os seus ouvintes.
Ana Paula Crosara de Resende: Bom dia, tudo bem. Paulo, você foi o coordenador do grupo de discussões na ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas, sobre acessibilidade em caixas eletrônicos. Você pode nos contar um pouquinho como começou essa história?
Paulo Romeu Filho: Há bastante tempo que eu acompanhava alguns grupos de trabalho da ABNT, para elaboração de normas especificas de acessibilidade para pessoas com deficiência. E, eu estou sempre conectado a internet, participo de algumas listas de discussão de pessoas com deficiência. Então, eu vi um e-mail de um rapaz cego do Rio de Janeiro, contando uma história em que ele foi "assaltado num caixa eletrônico", ele teve que pedir ajuda à uma pessoa desconhecida para poder retirar o dinheiro e quando foi no dia seguinte ver o saldo da sua conta ele não tinha mais nenhum centavo A partir daí eu falei poxa, mas não é possível, eu tenho que fazer alguma coisa. Então, eu propus no comitê brasileiro de acessibilidade da ABNT, que se formasse um grupo de trabalho especificamente para desenvolver uma norma técnica de acessibilidade para os caixas eletrônicos. E foi assim que começou o grupo. Nós tivemos a colaboração de todos os fabricantes brasileiros dos caixas eletrônicos. Depois, mais tarde, numa segunda fase da elaboração da norma, também participaram praticamente todos os bancos brasileiros. Nessas últimas reuniões que os bancos participaram. A gente até chegava a brincar nas reuniões: "puxa vida, acho que nós estamos com pelo menos metade do PIB do país aqui nesse auditório".
Ana Paula Crosara de Resende: risos.
Paulo Romeu Filho: E assim foi elaborada a norma, foi assim que ela surgiu: basicamente a partir de uma história, da minha participação na ABNT no desenvolvimento de normas de acessibilidade e dessa história que eu vi pela internet de um rapaz que foi enganado, que foi assaltado num caixa eletrônico.
Ana Paula Crosara de Resende: Certo. E conta para gente como que foi essa discussão lá. Foi aceita? Muita resistência?
Paulo Romeu Filho: Bom, como eu te disse, na primeira fase da norma só participaram pessoas com deficiência e os fabricantes brasileiros dos caixas eletrônicos - as indústrias que fabricam os caixas eletrônicos. Então foi uma discussão assim extremamente técnica, com a participação dos engenheiros dessas empresas e tal. Mas, apesar de ser muito técnica essa discussão, vamos dizer, ela foi razoavelmente simples, porque no Brasil nós somos muito atrasados. Caixa eletrônico acessível, caixa eletrônico que pode ser usado não só por pessoas com diversos tipos de deficiência, mas também por qualquer outro tipo de pessoa, mesmo a sem deficiência, já existe no Chile, já existe no México, Estados Unidos, Canadá, em vários países da Europa, Austrália, Nova Zelãndia, Japão. Então, esses fabricantes já tinham o conhecimento, já existem esses equipamentos em outros países. Então, vamos dizer assim...
Ana Paula Crosara de Resende: Não precisa inventar a roda.
Paulo Romeu Filho: Exatamente. A partir do projeto que eles já tinham, nós fomos escrevendo a norma. Feito esse esboço inicial, não dá para a gente publicar a norma sem antes estar falando com os bancos. Então, passamos para uma segunda fase em que participaram os bancos da discussão. Aí, vamos dizer assim, foi uma discussão um pouco mais política. Porque é lógico que os bancos não demonstraram, vamos dizer assim, resistência a uma norma, mas eles estavam muito preocupados com as soluções técnicas que nós apresentamos, estavam preocupados com o investimento que eles deveriam ter que fazer.
Ana Paula Crosara de Resende: Sempre o custo, né?
Paulo Romeu Filho: Exato. Estavam preocupados com o tempo que eles teriam para fazer essa adaptação, com a quantidade de equipamentos, vamos dizer assim, percentual dos equipamentos que eles imaginavam que deveriam ser acessíveis. Mas tudo isso foi contornado e conseguimos publicar a norma.
Ana Paula Crosara de Resende: Certo. Bom, vocês tiveram também uma facilidade quando trabalharam com a questão da vida útil do caixa eletrônico, não foi isso?
Paulo Romeu Filho: Foi. Inclusive no que eu te falei, nessaquestão do percentual. Quanto por cento dos caixas existentes - são mais de duzentos mil caixas eletrônicos espalhados pelo país, quantos por cento deveriam ser acessíveis?
Ana Paula Crosara de Resende: Na minha opinião, cem por cento.
Paulo Romeu Filho: Exatamente. Na verdade, toda norma publicada pelo Comitê Brasileiro de Acessibilidade é fundamentada nos princípios do desenho universal. Isso significa Você projetar um produto ou um serviço de uma forma que ele possa ser usado por todas as pessoas. Então, quando a gente fala em caixa eletrônico acessível, nós não estamos nos referindo a caixa eletrônico só para pessoas com deficiência, é caixa eletrônico para todo mundo.
Ana Paula Crosara de Resende: O que que esse caixa eletrônico tem de diferente?
Paulo Romeu Filho: Respondendo a sua pergunta anterior. Quando eles me perguntaram quantos por cento, nós dizemos não é nenhum um por cento, nem noventa e nove, nem cento e dez por cento. O que se previu na norma foi o seguinte: qual o tempo de vida útil de um caixa eletrônico? Bom. Depende. Numa cidade litorãnea, por exemplo, o tempo de vida útil dele é menor por causa da maresia e tudo mais. Um equipamento que seja instalado dentro de uma agência está mais protegido do que um equipamento que fica num quiosque. Mais na média o tempo de vida útil de um equipamento dura de 5 a 7 anos, dependendo do lugar. Ora, se nós estamos definindo se um caixa eletrônico vai ter características que possa ser usado por todo mundo, então pela substituição natural desses equipamentos, em no máximo uns 7 anos nós teríamos os 200 mil caixas eletrônicos acessíveis.
Ana Paula Crosara de Resende: É bem interessante.
Paulo Romeu Filho: Exato. Em alguns lugares antes, porque vamos dizer assim, como eu te disse, numa cidade litorãnea o desgaste dele é mais rápido, tá certo? Então em três, quatro anos, você já tem que estar colocando, estar substituindo aquele caixa eletrônico e já substituiria por algum acessível. Em outros lugares em 5 anos, em outros lugares no máximo em 7 anos.
Ana Paula Crosara de Resende: Certo. Paulo explica para o nosso ouvinte que nunca teve contato com cego, que nunca teve contato com uma pessoa com deficiência o que que tem de diferente nesse caixa eletrônico?
Paulo Romeu Filho: Bom. Ele tem características não só para cego, mas para todos os tipos de deficiência. Especificamente para cego, você quando quer saber o saldo da sua conta, você pega o telefone liga para o auto-atendimento do seu banco, tá certo?
Ana Paula Crosara de Resende: Certo.
Paulo Romeu Filho: E você ouve as instruções gravadas e pelo teclado você vai dando as respostas que o telefone vai te pedindo. No caixa eletrônico a idéia é fazer que ele trabalhe da mesma forma que no telefone. Então eu vou ter um dispositivo de áudio nesse caixa eletrônico e eu vou colocar ali o meu fone de ouvido e a tela vai se apagar automáticamente, certo?
Ana Paula Crosara de Resende: Certo.
Paulo Romeu Filho: Basta encaixar o plug do fone de ouvido nesse conector, que automaticamente a máquina já entende: "olha, é uma pessoa com deficiência visual que está aí". Então, toda interação, toda comunicação do usuário com a máquina, começa se dar por voz. E ao invés de usar o monitor de vídeo, ficar pondo os dedos em cima das opções que você quer, o número que você tem que digitar na tela do computador, você vai usando o teclado numérico da mesma forma que você vai selecionando as opções quando você quer algum serviço do banco por telefone.
Ana Paula Crosara de Resende: Certo.
Paulo Romeu Filho: Para um cego é assim que funciona, para um deficiente físico, por exemplo, uma pessoa em cadeira de rodas, o equipamento é um pouco mais baixo.
Ana Paula Crosara de Resende: Certo.
Paulo Romeu Filho: Porque essa pessoa não consegue, ela não tem alcance para, digamos, pressionar um daqueles botõezinhos que fica no monitor de vídeo lá em cima. Ela pode não alcançar. Então o equipamento é um pouco mais baixo e a norma também prevê que, mesmo a pessoa que enxerga, mas digamos, usa cadeira de rodas, ela possa escolher todas as funções do caixa eletrônico e comandar, todas elas também, pelo tecladinho numérico que fica bem mais em baixo.
Ana Paula Crosara de Resende: Certo.
Paulo Romeu Filho: Para pessoas analfabetas, de mais idade ou pessoas surdas que tenham uma dificuldade maior de leitura ou de compreensão do português, a norma também determina que todas as instruções sejam acompanhadas de uma figurinha, de uma ilustração, até de um filminho curtinho, indicando que ação a pessoa deve tomar. Então por exemplo, se a máquina está te pedindo para passar o teu cartão naquela fenda onde você coloca o seu cartão do banco, então vai aparecer ali uma figura de uma mãozinha encaixando o cartão na fenda. Se a máquina ta pedindo para você pegar o dinheiro, vai aparecer a imagem de uma mãozinha retirando o dinheiro, etc.
Ana Paula Crosara de Resende: Certo.
Paulo Romeu Filho: Além de muitas outras características que nós ficaríamos um tempão aqui para dizer todas elas.
Ana Paula Crosara de Resende: Pois é. E a gente, infelizmente, não tem tanto tempo. Eu só queria que você falasse antes das suas considerações finais, sobre as ações na justiça aí em São Paulo, dos bancos que estão aí em São Paulo, com relação a essa colocação desses caixas eletrônicos. Como é que está hoje a questão?
Paulo Romeu Filho: Ta Bom. Eu sei que a ANADEC - Associação Nacional de Defesa da Cidadania e do Consumidor é uma entidade que fica em Campinas, aqui no estado de São Paulo. Ela entrou com várias ações civis, para cada um dos bancos brasileiros e ela tem obtido resultados favoráveis em praticamente todas essas ações. Quer dizer, os juízes têm determinado que os bancos são obrigados a cumprir uma resolução do Banco Central, que obriga que os caixas eletrônicos se tornem acessíveis e de acordo com a norma técnica, obedecendo todas as características de projeto estabelecidas pela norma da ABNT. E, inclusive, em todas essas ações existem determinadas multas diárias astronômicas, fabulosas contra esses bancos.
Ana Paula Crosara de Resende: Certo. Bom, vamos esperar para ver, né? Já que eles são os donos do dinheiro, vamos ver se eles vão pagar as multas ou se eles vão fazer acessibilidade.
Paulo Romeu Filho: Ah, não. Eu te garanto que é muito mais barato trocar todos os caixas eletrônicos do que pagar as multas que eles estão levando do judiciário.
Ana Paula Crosara de Resende: Ta certo. E as suas considerações finais, já que o nosso tempo está esgotado?
Paulo Romeu Filho: Eu gostaria de agradecer a você pela oportunidade de estar falando sobre uma questão que é importantíssima. A acessibilidade nos caixas eletrônicos não é apenas uma questão de direito das pessoas com deficiência. No grupo de trabalho a gente via como uma espécie de marketing. Caixa eletrônico todo mundo conhece, praticamente todo mundo usa. E a gente sabia, como já está acontecendo hoje, quando você entra em uma agência que vê um caixa eletrônico com aquelas características todas diferentes e tal, e vendo que aquilo pode ser usado por pessoas com deficiência, a gente espera que as pessoas pensem um pouco mais, que a nossa deficiência ela certamente nos impõe restrições, nos impõe limitações, mas não há dúvida nenhuma que as maiores barreiras, as maiores limitações, são as que nós enfrentamos porque a sociedade, em geral, quando vai projetar um equipamento, projetar um produto, projetar um serviço, ela se esquece de nós e projeta o produto para ser usado por uma quantidade de pessoas que nos deixa de fora, com características que nos deixa de fora. Eu espero que projetistas de outros tipos de produtos, de outros tipos de serviços, vendo que nós podemos usar caixa eletrônico, nós também podemos usar um monte de outras coisas que bastariam uma pequena modificaçãozinha, uma pequena adaptaçãozinha para já permitir o nosso uso.
Ana Paula Crosara de Resende: Ta certo. Você tem toda razão; concordo em gênero, número e grau. Eu queria agradecer muito a sua participação aqui no nosso Quadro de Igual para Igual e queria também contar para os nossos ouvintes que o Paulo Romeu na verdade é uma grande referência para gente que trabalha com inclusão, com acessibilidade e com movimento de pessoas com deficiência, que sempre que a gente precisa ele ta lá, mandando sua sugestão, mandando o seu tijolinho para a construção de um mundo para todos. Obrigada Paulo.
Paulo Romeu Filho: Obrigada você. Bom dia para todos.
Ana Paula Crosara de Resende: Bom dia. Se você, ouvinte, se interessar por esse assunto e quiser obter informações, dar sugestões, esclarecer dúvidas ou receber o texto transcrito o e-mail anapcresende@gmail.com está a disposição e o telefone do meu escritório de advocacia (34) 3212-3866 também. Até o próximo programa.
De Igual para Igual - Abril/2007.