Carta do Rio - Desenho Universal.
Em dezembro de 2004, o Rio sediou o 3° Congresso Internacional de Acessibilidade, intitulado "Projetando para o Século XXI", pela primeira vez fora dos Estados Unidos da América. Com a participação de 22 países, este Congresso culminou num Fórum realizado no Centro Integrado de Atenção ao Deficiente – CIAD Mestre Candeia –, para a elaboração da Carta do Rio, publicada hoje no Rio Estudos.
Desenho universal para um desenvolvimento inclusivo e sustentável
Reunidas e reunidos no Rio de Janeiro, Brasil, em 12 de dezembro de 2004, na Conferência Internacional sobre Desenho Universal "Projetando para o Século XXI", profissionais, representantes de ONG e de diversos setores da sociedade civil, de universidades, funcionários e funcionárias de instituições estatais, de organismos internacionais e multilaterais, provenientes de diversos países da América Latina, concordamos com a seguinte declaração:
- O propósito do desenho universal é atender às necessidades e viabilizar a participação social e o acesso aos bens e serviços à maior gama possível de usuários, contribuindo para a inclusão das pessoas que estão impedidas de interagir na sociedade e para o seu desenvolvimento. Exemplos destes grupos excluídos são: as pessoas pobres, as pessoas marginalizadas por sua condição cultural, racial, étnica, pessoas com diferentes tipos de deficiência, pessoas muito obesas e mulheres grávidas, pessoas muito altas ou muito baixas, inclusive crianças, e outras que, por diferentes razões, são também excluídas da participação social.
- Concebemos o Desenho Universal como gerador de ambientes, serviços, programas e tecnologias acessíveis, utilizáveis eqüitativamente, de forma segura e autônoma por todas as pessoas – na maior extensão possível – sem que tenham que ser adaptados ou readaptados especificamente, em virtude dos sete princípios que o sustentam, a saber:
- uso equiparável (para pessoas com diferentes capacidades);
- uso flexível (com leque amplo de preferências e habilidades);
- simples e intuitivo (fácil de entender);
- informação perceptível (comunica eficazmente a informação necessária);
- tolerante ao erro (que diminui riscos de ações involuntárias);
- com pouca exigência de esforço físico e
- tamanho e espaço para o acesso e o uso.
- Reconhecemos o valor do conceito emergente de Desenvolvimento Inclusivo, que tenta expandir a visão de desenvolvimento, reconhece a diversidade como aspecto fundamental do processo de desenvolvimento socioeconômico e humano, reivindica a contribuição de cada ser humano para o processo de desenvolvimento e, em vez de implantar políticas e ações isoladas, promove uma estratégia integrada em benefício das pessoas e da sociedade como um todo. O Desenvolvimento Inclusivo é uma ferramenta eficaz para a superação da exclusão social que prevalece no mundo e, conseqüentemente, para se conseguir avançar na erradicação da pobreza.
- Concebemos o desenvolvimento humano sustentável como uma forma produtiva de entender as políticas sociais, considerando os vínculos entre crescimento econômico, distribuição eqüitativa dos benefícios do crescimento e convivência harmoniosa com o meio ambiente.
- Consideramos que a situação de pobreza e exclusão social atinge milhões de pessoas no mundo todo, impede o desenvolvimento humano e uma existência digna e com qualidade – e que na América Latina e no Caribe esta situação atinge mais da metade de sua população. Estamos também convencidas e convencidos de que esta situação de exclusão e pobreza, bem como a desigualdade, as doenças, a insegurança, a contaminação e a degradação ambiental e o desenho inadequado são perigos públicos, que afetam muitas pessoas e ameaçam a todas.
- Neste contexto de domínio do desenvolvimento pela exclusão, propomos os seguintes desafios:
- Como aplicar os princípios do Desenho Universal quando existem pessoas cuja principal preocupação não é o "amanhã", mas a incerteza quanto à próxima refeição, ou que não têm moradia, ou a mais básica assistência de saúde?
- Como tornar tais princípios consistentes com o fato de que para a maioria da população mundial não existem os conceitos de "padrões básicos", "códigos de edificação", "regulamentações"?
- Nesta situação, que sentido real têm serviços como "o banheiro", "a cozinha", "o vestíbulo", "a rampa", "a iluminação", "a acústica"?
- E, principalmente, como acrescentar qualidade de vida aplicando o Desenho Universal?
- Salientamos que a aplicação no presente de um desenho inadequado de programas, serviços e infraestrutura gera inacessibilidade e perpetua condições de exclusão para o futuro. Consideramos inaceitável que recursos públicos continuem sendo utilizados para a construção de qualquer tipo de barreira.
- Concordamos que o Desenho Universal deve se transformar num componente imprescindível das políticas e ações que promovem o desenvolvimento, para que este atinja um caráter verdadeiramente inclusivo e contribua eficazmente para a redução da pobreza no mundo.
- Concordamos também, que para avançar na direção de um Desenho Universal para um Desenvolvimento Inclusivo Sustentável, toda nova ação terá de:
- ser planificada, equilibrando aspectos legais, de direitos, econômicos, tecnológicos e culturais locais;
- atender necessidades autênticas da comunidade;
- contar com a participação dos interessados;
- incorporar os critérios do Desenho Universal, para evitar que os investimentos gerem custos extras para adaptações necessárias no futuro;
- aplicar materiais e tecnologias disponíveis no local, ao mais baixo custo possível;
- planejar a manutenção com os meios locais, e
- proporcionar capacitação adequada para permitir a aplicação técnica cada vez mais extensa do desenho universal.
- Estamos convencidas e convencidos de que para conseguir que o Desenho Universal se transforme num instrumento a serviço do Desenvolvimento Inclusivo, é necessário que todos os atores envolvidos nestes temas (Estados e governos, setor privado, sociedade civil, organizações da sociedade civil, universidades, profissionais e organismos internacionais e regionais) desempenhem ativamente seus papéis e considerando que devem seguir as seguintes linhas de ação:
- Que os governos desenvolvam esforços para conseguir instrumentos jurídicos que façam com que o Desenho Universal seja aplicado permanentemente e que este seja um componente transversal nos planos nacionais de desenvolvimento e nas políticas públicas.
- Que o setor privado seja atraído para a aplicação do Desenho Universal no desenho de produtos e serviços, que este tema se transforme num assunto de interesse público.
- Que as universidades promovam o Desenho Universal na formação das profissões relacionadas ou afins a este conceito incentivando pesquisas que permitam a expansão, a aplicação e o desenvolvimento do Desenho Universal.
- Que os profissionais diretamente relacionados com o Desenho Universal forneçam orientação técnica para conseguir sua aplicação mais eficaz e eficiente, voltada para o desenvolvimento e a inclusão social.
- Que as organizações, no momento mais conscientes da necessidade do Desenho Universal, contribuam para disseminar o conceito em outros setores da sociedade civil e exerçam um papel ativo de vigilância social para que se avance permanentemente na acessibilidade e inclusão através de sua aplicação efetiva.
- Que os organismos internacionais e regionais avancem no instrumental jurídico com suporte de normas técnicas internacionais e regionais, que promovam a aplicação sustentável do Desenho Universal a serviço do Desenvolvimento Inclusivo.
- Que os organismos multilaterais de crédito transformem o Desenho Universal num tema do desenvolvimento, promovam seu avanço, sua aplicação prática, pesquisa e difusão com recursos econômicos e o adotem como uma norma básica para a elaboração de projetos, e como um requisito para a aprovação de empréstimos aos países.
- Pensamos que todos os esforços e ações realizados neste sentido serão mais fortes e eficazes se avançarmos numa agenda comum sobre o Desenho Universal e o Desenvolvimento Inclusivo e construirmos alianças e parcerias entre os diferentes setores e atores envolvidos. Mas continua necessária a criação de redes promotoras destes temas, que contribuam para sua disseminação e debate construtivo e para potencializar os diferentes esforços.
- Finalmente afirmamos que estamos profundamente convencidas e convencidos de que se trabalharmos na construção de um mundo guiado pelos princípios do Desenho Universal e do Desenvolvimento Inclusivo, este será um mundo melhor, mais pacífico, mais habitável, mais eqüitativo e, inexoravelmente, com melhor qualidade de vida.
Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 2004.
Prefeitura do Estado do Rio de Janeiro.
Secretaria Municipal de Urbanismo.
Instituto Pereira Passos.
Diretoria de Informações Geográficas.