Relato de Nossa Realidade.
Nosso dia a dia, como pessoas com deficiência física, está longe demais da realidade de países civilizados. Algumas experiências em pouco menos de uma semana têm mostrado isso de maneira muito crua.
Tenho assistido muito na NET TV 55 Discovery Health onde passa muitos casos de crianças com vários tipos de deficiências, inclusive a minha, osteogênesis imperfecta, além de muitas outras. Conseguimos conhecer muitas ideias, adaptações, novas tecnologias etc. Ontem apareceu uma jovem que ficou paraplégica ainda criança em um acidente. Ela apareceu dirigindo seu carro, era universitária e atleta, jogava tênis. Enfim, sei que temos muitos assim por aqui também, podem até dizer, mas o que me surpreendeu e me deu uma invejazinha, foram as facilidades de adaptações e respeito à pessoa com deficiência física, como cadeira de rodas feita especialmente para ela, a baixo custo, mais leve, que ela mesma pode colocar e tirar do carro sozinha.
Também já vi no programa muitas adaptações para crianças andarem no hospital infantil e hospital pediátrico. Casos no Canadá e USA: andadores especiais, até uma geringonça que uma menina com osteogênesis imperfecta, que estava sem receio de cair, dançando em escola com crianças comuns. Enfim, vagas para carros de pessoas com deficiência respeitadas, universidade toda adaptada, etc. Bem diferente dos 25 anos que leciono na Universidade Federal do Ceará e que também passei como estudante, desgastando meu físico e saúde para ter acesso às salas de aula, laboratórios etc.
Uma avó de um menino, na Paraíba, me ligou e comentou, achando incrível essas facilidades. Quando ela encomendou uma cadeirinha na Orto Shop para o neto de 4 anos, à vista custou R$ 1400,00!
Aí, às vezes, fico a me culpar e questionar: estou mais dependente, quando saio dirigindo meu carro, de levar uma secretária comigo a determinados lugares. Por exemplo, ontem saí para ir ao Banco do Brasil do meu bairro. O estacionamento não tem vaga para pessoas com deficiência. Na saída dois carros bateram e tudo se tornou um caos porque todos entravam e saiam pelo mesmo lugar. Ninguém facilitou uma vaga para mim. A rampa, para pessoas com deficiência chegarem ao banco, se é que podemos chamar aquilo de rampa, tem uma inclinação perigosa demais. Na volta, para completar, um caminhão estaccionou com material de obras, pois estão reformando o banco...
Aí vem mais... hoje fui ao shopping. Antes ia sozinha e pedia a alguém para tirar minha cadeira do carro, rodava, passeava por lá, fazia compras etc. Agora só falto atropelar os seguranças para tirarem o cavalete de vagas para pessoas com deficiência e nenhum ajuda a tirar e por a cadeira do carro. O shopping aumentou... dificultou nosso acesso, porque? Apesar de ter vários banheiros adaptados mas, se entra cadeira de rodas, têm que ficar com as portas abertas. Pior é o shopping da zona norte, onde o banheiro de deficientes era o mesmo para homens e mulheres, passando pelo banheiro dos homens. Reformaram, agora o banheiro que entra cadeira de rodas não tem porta.
Então vem o documentário da americana, tenista campeã... Pensei que nós somos lutadores, não covardes e quando questionamos se somos heróis ou não, me perdoem, mas respondo que vivendo no Brasil, sim!
Enfim... estou expondo as dificuldades de pessoas com deficiência em lugares comuns, para perceberem o que passamos por ignorância de pessoas mal informadas e que acham normal uma mulher com deficiência ter de passar pelo banheiro dos homens para chegar ao vaso de um banheiro unissex para pessoas com deficiência... sem porta! Como pessoas que têm dinheiro para construir e manter um shopping podem ser assim? Este é o relato de minhas saídas, uma experiência de nossas dificuldades bem brasileiras. Por favor, repassem, essa é nossa realidade!
Célia Regina Bastos - Pessoa com Osteogênesis Imperfecta - "Bonecos de Vidro", "Ossos de Cristal".
Fortaleza-Ceará.