Diversidade nas Empresas, Inclusão e Negócios.
Deise Fernandes é líder do Programa de Valorização da Diversidade na CPFL, atuando nos processos de inclusão e valorização de pessoas com deficiência, negros, mulheres, idosos e do jovem aprendiz. Ministra aulas de Recursos Humanos e neste mês compartilha conosco as iniciativas da CPFL em Diversidade.
DG - Em sua opinião, porque as empresas brasileiras têm investido cada vez mais em Diversidade?
Deise - A empresa que reconhece, valoriza e aproveita sua Diversidade é mais forte e tem mais condições de enfrentar os desafios. A unanimidade é pobre, enquanto a Diversidade traz diferentes idéias, experiências, visão de mundo, estimulando a flexibilidade e a criatividade.
Quando de fato a empresa está aberta em reconhecer e valorizar sua Diversidade interna, os resultados, a quantidade de alternativas de solução e a energia da empresa é outra. As empresas estão percebendo esse valor agregado e estão reconhecendo a importância dessas pessoas para o negócio e um ambiente de mudanças.
DG - O Programa de Diversidade da CPFL foi implementado em 2003. Sabemos que desde o início foi elaborado um plano de contratação de negros, mulheres e pessoas com deficiência, com foco em pessoas acima de 45 anos e/ou desempregadas a mais de 2 anos. Quais são os principais aprendizados e entraves ao tentar viabilizar essa meta?
Deise - Os aprendizados foram muitos, começando por mim, que cheguei nesse programa acreditando que não tinha nenhum preconceito ou sentimento de discriminação, e já no início percebi que fui criada com crenças equivocadas, e pior, não percebia. A invisibilidade do preconceito é pior do que a discriminação explícita. Pelo menos a segunda podemos abrir diálogo e a invisibilidade, não rara, coloca a culpa no colo da vítima.
Na CPFL a trajetória é quase a mesma, não tinha consciência de seus preconceitos e seus mecanismos de exclusão, portanto, a primeira ação, foi a de divulgar, sensibilizar e informar sobre a existência desses grupos e as condições que estão na sociedade E DENTRO DA Empresa.
Os diferentes grupos recebem também diferentes tratamentos por parte dos colaboradores. Lembro-me que quando fizemos seminários de Sensibilização as reações eram completamente diferentes em relação a cada público. Sobre as mulheres, tinha sempre uma piadinha ou uma menção ao quanto elas são desejáveis, em relação às Pessoas com Deficiência, o quanto seria bom se a empresa trouxesse Pessoas com Deficiência para o quadro de colaboradores, o quanto a Empresa seria mais generosa se abrisse suas portas para essas Pessoas, etc... Já em relação aos negros, a reação, invariavelmente, era hostil e de menosprezo, como se perguntasse, "O que eles querem fazer aqui?!". Aos maiores de 45 anos, tinha sempre um reconhecimento da competência, mas uma dúvida em relação a sua capacidade de trabalho, em relação a ex presidiários e Homossexuais, não começamos até hoje um programa pois, em definitivo, não estamos prontos.
Essas reações nada mais são do que e como fomos Educados, do quanto precisamos mudar, reciclar, rever nossas crenças. E esses são os maiores entraves, não são os materiais, que também existem, mas os humanos.
O maior desafio é trazer para cima da mesa esses temas dentro da organização. Porque mechem com sentimentos, valores, convicções que não são fáceis de mudar.
DG - Em 2004 a CPFL realizou um censo interno, qual a importância dessa ação para as empresas? Quais as principais atividades desencadeadas após esse processo?
Deise - O Censo Interno traz subsídios reais da diversidade da Empresa, permite que se faça cruzamentos e se consiga enxergar onde está a diversidade e os resultados são sempre surpreendentes. Não temos noção de onde e como estão nossa Diversidade. Também pode ser aproveitado o momento para atualizar o cadastro dos colaboradores em relação a dados pessoais, como formação, inclusão digital, informações sobre a família, condições de moradia, e outras informações, que apesar de não serem diretamente ligadas à diversidade, compõe as condições sócio-econômicas que vivem nossos colaboradores que não deixa de ser mais um elemento para a análise de inclusão ou exclusão.
No caso da CPFL, a partir do Censo, criamos metas da diversidade, que nos facilitou imensamente a implantação de programas para Valorizar, reconhecer e mostrar a importância deste tema dentro da organização.
DG - Quais são os públicos com os quais existe mais facilidade em desempenhar um trabalho empresarial e quais são os que apresentam mais dificuldades?
Deise - Acredito que dependa da empresa e da Região, aqui na CPFL a maior facilidade é com pessoas com Deficiência, maiores de 45 anos, Jovens, e em uma escala menor, Mulheres. O grupo com maior dificuldade são os Negros.
As razões explícitas são as mesmas, faltam pessoas capacitadas, ausência de inscrições nos processos de seleção, falta de escolaridade, etc... entretanto sabemos que existem barreiras invisíveis que passam pela não valorização deste público, mas que é muito difícil explicitar.
Ainda não conseguimos cumprir a meta para negros, que era sair de 10% em 2004, para 20% até 2009. Já as Mulheres, o objetivo era sair de 13% para 25%, já chegamos em 20%. Pessoas com Deficiência, meta de 5% e já superamos.
DG - O investimento em ações de Diversidade traz resultados para os negócios de uma empresa? A CPFL gerou produtos e serviços com este foco? Quais?
Deise - A CPFL é uma prestadora de Serviços, e não gerou nenhum produto especial com o foco da Diversidade, mas integramos em nossa comunicação Interna e externa o respeito à Diversidade, em nossas equipes, temos o cuidado de observar a Diversidade, procuramos ter o maior número de opiniões para uma decisão significativa dentro da organização, sempre entendendo que a união de diferentes pessoas e diferentes idéias trazem contribuições importantes para os negócios.
DG - Em sua opinião, até onde vão as obrigações e limites de atuação da empresa em relação à valorização da Diversidade?
Deise - Não há limites e a atuação é ampla e irrestrita. Temos mais de 7000 colaboradores, considerando 4 pessoas por colaborador, temos de imediato um público de 21000 pessoas que podemos influenciar em relação à Valorização e o respeito da Diversidade, sem contar com os nossos clientes que são mais de 5.000.000 em definitivo, a CPFL, como empresa responsável pode contribuir muito com a mudança de Crença, com a reconstrução de uma Sociedade mais justa e ética.
DG - Para empresas que estão iniciando sua atuação em Diversidade quais seriam as suas sugestões do que deve ou não ser feito? Existe alguma dica que poderia ser compartilhada?
Deise - Em primeiro lugar, que vale a pena trabalhar e valorizar a diversidade. Que o processo é lento, mas precisa ser contínuo, porque se trata de mudança de Cultura, o que não é uma tarefa fácil. Que se junte com Empresas que já estão fazendo alguma coisa para juntarem forças e não perder tempo com o que já existe, que faça um censo Interno para demonstrar o quanto a Diversidade está em cargos e condições abaixo dos considerados "normais", que comece com a alta direção, que faça todas e muitas ações de sensibilização, informação e divulgação, que ouça os colaboradores e que só implante programas que façam sentido para a organização, que só comece com uma ação que já antecipadamente está certa do sucesso. Um erro no começo é fatal.
DG - As ações de inclusão e diversidade que têm sido feitas pelas empresas brasileiras são suficientes para contribuir na melhoria da realidade de preconceitos que temos hoje no Brasil? O que mais poderia ser feito?
Deise - Essas ações ainda não são suficientes. Tanto é verdade que a exclusão ainda é uma realidade gritante no Brasil. Há muito para ser feito, mas só depois de conseguirmos enxergar o Valor dessas pessoas: ainda precisamos olhar para um Negro e ver uma pessoa com potencial, para uma Mulher e não ver apenas um rosto bonito, uma pessoa com deficiência e não ter dó, para um idoso e acreditar em sua capacidade de trabalho, para um ex presidiário e acreditar que ele já pagou o que fez e que quer ser uma pessoa comum, para os homossexuais, não misturar sua sexualidade com sua competência profissional.
Temos muito a aprender sobre inclusão. Que é um processo de mão dupla, onde tanto os minimizados pela sociedade, como os incluídos, precisam aprender a se respeitar e somar as competências e dificuldades.
Precisamos melhorar e/ou criar novas ações afirmativas de forma de lei ou não, mas mecanismos que em alguma medida responsabilize as empresas, os governos, as Instituições para abrirem as portas a esses grupos. A exemplo da lei de Cotas para pessoa com Deficiência, que apesar de ainda termos problemas, ninguém nega que avançamos muito, e que hoje encontramos pessoas com Deficiência em lugares que nunca antes eram vistos.
Temos, por fim, que pensar em um jeito novo de trabalhar, para que possamos incluir pessoas sem experiências, sem formação, sem quase nada, mas com o maior ingrediente de todos que é a vontade de aprender e crescer profissional e pessoalmente. Ainda temos longo caminho a percorrer, mas precisamos de vontade Política.
DG - Você sente que o empresariado e a sociedade, de forma geral, têm dado mais importância nos últimos anos às questões de Diversidade?
Deise - Não sei se importância, mas no mínimo estão lendo, ouvindo, se deparando com esta questão. Está na mídia, nas leis, nas reivindicações da sociedade e dos clientes. É preciso aprofundar, abrir o coração e a mente, enxergar valor e ligação com o negócio, é preciso sair do papel e entrar na rotina, mas sem dúvida já começamos.
DG - Muitos acreditam que as empresas são atualmente as grandes motivadoras de mudanças sociais positivas. A transformação necessária para que consigamos a efetivação dos Direitos Humanos e respeito à diversidade, perpassa por um movimento individual, empresarial ou governamental?
Deise - Dos 3 e até acrescentaria outros três que você não citou, família, Instituições de Ensino e forma de consumo, tudo começa com o indivíduo, que tem influência da família, e depois é influenciado pela escola, e só então chega na empresa e se torna um consumidor.
Todas essas etapas estão intimamente ligadas entre si, precisamos entender que se mexermos em uma delas todas as outras terão mudanças, portanto precisamos pensar em todas elas. Naquilo que for paliativo, curativo e preventivo. Não é e nunca será uma tarefa fácil e nem simples, precisaremos antes aprender a trabalhar em sintonia uns com os outros, em parceria, cooperação e colaboração. Ainda não sabemos.
Lembro-me, quando começamos a implantar o programa de inclusão de pessoas com deficiência aqui na empresa, fomos procurar as instituições que reabilitam essas pessoas e ficamos assustados de encontrar pessoas com deficiência absolutamente despreparadas para o mercado de trabalho. As Entidades me confessaram que não as preparavam, porque se assim fosse elas sairiam e a verba da entidade que está vinculada a quantidade de assistidos cairia e eles não poderiam sustentar a entidade e os profissionais que lá trabalham.
Assim, as pessoas com deficiência não se preparam, as empresas não encontram pessoas prontas para assumirem responsabilidades e precisam assumir esse papel que não é delas, ou deixam de contratar e ficam em falta com a lei. Precisamos mudar de padrão, precisamos não só olhar para nossos interesses. Aqui também é uma grande mudança de Cultura e não será fácil e nem rápido conseguirmos.
DG - Qual cenário você vislumbra para a valorização da Diversidade nas empresas brasileiras nos próximos anos?
Deise - A diversidade já existe em todas as Empresas, em todos os lugares. O Brasil é diverso. A questão aqui é a valorização, o reconhecimento, o empoderamento dos grupos que hoje são considerados diversos e que não são as minorias. No futuro serão menos ainda, porque os idosos se somarão aos negros e Mulheres.
As necessidades, as dificuldades, as mudanças que se avizinham com certeza trarão esse reconhecimento, porque a diversidade é rica, criativa, flexível, aberta, empreendedora e vai emplacar dentro das empresas.
Entrevistada: Deise Fernandes (profissional cega da CPFL)..
Diversidade Global.