Educação Inclusiva no Brasil, Sonho ou Realidade?

12/08/2003 - Elizabet Dias de Sá.

Uma Outra Realidade.

Recentemente participei de uma atividade com alunos de 06 e 07 anos, em duas turmas do primeiro ciclo de uma escola da rede privada de Belo Horizonte. Tratava-se da culminância de um projeto no qual estes alunos exploravam os cinco sentidos. Meu papel era o de explicitar as possibilidades de discriminação tátil, auditiva, gustativa e olfativa, considerando-se a ausência da visão. As crianças fizeram perguntas e comentários com interesse e curiosidade.

Perguntaram como fiz para chegar na escola e em casa, se sabia como era a sala de aula, como faço para combinar as cores, contar o dinheiro e trabalhar. As crianças e os adultos são igualmente curiosos e costumam ter as mesmas indagações. Mas, elas perguntam de forma espontânea, direta e sem rodeios.

Ao responder às perguntas dos alunos, estabeleceu-se uma interação lúdica e investigativa caracterizada pela troca de informações e pelo exercício de descrição dos objetos, das pessoas e do ambiente da sala de aula. Em dado momento, um deles perguntou se eu podia dirigir; ouvi um coro de "não" e, no fundo da sala, uma voz solitária repetia "pode sim", motivando uma alvoroçada contestação.

Era Pedro que parecia ter uma opinião bem diferente. Sugeri que ele nos explicasse como é possível dirigir sem enxergar. Ele explicou:
- Se tiver um aparelho, tipo um robô que fala pra ela virar pra esquerda, pra direita, pra trás, prá frente, fazer a curva...
A explicação provocou risos.

Comentei que Pedro era uma criança cheia de imaginação e que, quando eu tinha a idade dele, não sabia que existia computador e nem desconfiava que um dia os computadores poderiam falar. O tempo passou e tenho um computador que fala e lê para mim tudo que aparece escrito na tela. Conclui que quando Pedro tiver a minha idade, talvez seja mesmo possível uma pessoa cega fazer coisas que não conseguimos imaginar atualmente.

A conversa continuou animada e do computador chegamos ao sistema braille. Aproveitei para explicar que no tempo dos avós de seus avós era muito difícil acreditar que uma criança cega podia brincar e estudar em uma escola junto com as outras crianças.

Contei que, naquele tempo, em um país bem longe do Brasil, havia um garoto esperto, inteligente e curioso como todas as crianças e considerado diferente porque não enxergava. Seu nome era Louis Braille e ele gostava muito de estudar. Depois de muito pensar e tentar, descobriu uma maneira de transformar as letras e os números em um conjunto de pontos e, assim, criou o Sistema Braille, uma forma de ler e escrever com as mãos. ele conseguiu o que parecia impossível: converter seu sonho em realidade.

Não espero de todos uma capacidade criativa e prodigiosa como a de Louis Braille,mas desejo para todos o despojamento de Pedro, no sentido de vivermos o tempo presente em sintonia com as inesgotáveis possibilidades do conhecimento e convencidos das potencialidades humanas. Talvez assim fosse mais simples converter em realidade o sonho de uma escola para todos.


Fonte: Trecho retirado da palestra apresentada na 6ª Jornada de Educação Especial "A Educação no Terceiro Milênio: Espaço para Diversidade", realizada de 03 A 06 DE JUNHO DE 2003 - Faculdade de Filosofia e Ciência - UNESP-Marília.