Audiodescrição: acessibilidade em produtos audiovisuais e cênicos para pessoas com deficiência visual.

31/05/2008 - Graciela Pozzobon da Costa *.

Pode uma pessoa com deficiência visual assistir a um filme no cinema, a uma peça de teatro ou a uma novela na TV e desfrutar do programa da mesma maneira que uma pessoa que enxerga?

Atualmente podemos ver uma pessoa cega indo ao cinema, ao teatro ou assistindo televisão. Porém, sem o recurso adequado, veremos sempre um acompanhante ao seu lado, que, aproveitando as pausas e os silêncios entre os diálogos ou narrações, sussurra à pessoa cega alguma informação para que ele compreenda a cena. Essa comunicação, além de ser incompleta, causa incômodo aos espectadores que enxergam, de forma que as pessoas cegas freqüentemente deixam de tentar entender o filme, ou programa. Por outro lado, se imaginarmos uma sala de cinema ou um canal de televisão que ofereça um meio pelo qual a pessoa com deficiência visual ouça o conteúdo do programa com independência, audiodescrito, desenvolvido especialmente para ela, com certeza veremos uma grande parcela deste público, normalmente excluído, assistindo a programas e desfrutando do conteúdo audiovisual com autonomia e conforto da mesma maneira que uma pessoa que enxerga.

O fascínio da experiência audiovisual ou da vivência teatral também é exercido sobre as pessoas de baixa visão ou cegas. Sua apreensão do mundo na vida cotidiana é feita principalmente pela audição, de modo que vivenciar um filme ou peça que reúna audiodescrição e a rica gama de informações sonoras contidas no som original será uma experiência plena. A audiodescrição é o meio de compensar a falta da captação das informações contidas na imagem, decorrente da deficiência visual.

A acessibilidade nos meios de comunicação é um tema que está em pauta no mundo todo. Os esforços neste sentido visam, não apenas proporcionar o acesso a produtos culturais a uma parcela da população que se encontra excluída, como também estabelecer um novo patamar de igualdade baseado na valorização da diversidade, sem precedentes no Brasil.

O que é:

O recurso consiste na descrição clara e objetiva de todas as informações que compreendemos visualmente e que não estão contidas nos diálogos, como por exemplo, expressões faciais e corporais que comuniquem algo, informações sobre o ambiente, figurinos, efeitos especiais, mudanças de tempo e espaço, além da leitura de créditos, títulos e qualquer informação escrita na tela.

A audiodescrição permite que o usuário receba a informação contida na imagem ao mesmo tempo em que esta acontece, possibilitando que a pessoa desfrute integralmente da obra, seguindo a trama e captando a subjetividade da narrativa, da mesma forma que alguém que enxerga.

As descrições acontecem nos espaços entre os diálogos e nas pausas entre as informações sonoras do filme ou espetáculo, nunca se sobrepondo ao conteúdo sonoro relevante, de forma que a informação audiodescrita se harmoniza com os sons do filme.

Sem este recurso, a pessoa com deficiência visual permanece parte do tempo ocupada em deduzir a ação e com isso não consegue usufruir plenamente da experiência cinematográfica, televisiva ou cênica.

Como é.

Diferentes ferramentas técnicas são utilizadas dependendo do suporte em que estamos trabalhando. Para filmes, séries, novelas ou documentários, os suportes atuais são o cinema, a televisão e o DVD.

A audiodescrição pode ser feita ao vivo ou pré-gravada. Em produtos audiovisuais, a audiodescrição é adicionada em um segundo canal de áudio. Para peças de teatro, o suporte é o próprio espetáculo e neste caso só é possível que seja feita ao vivo. No caso da televisão, através de um canal que disponibilize esta banda extra de áudio, geralmente acionada pela tecla SAP (Programa Secundário de Áudio) dos televisores.

Para a produção da audiodescrição pré-gravada, o processo se dá nas seguintes etapas:

  1. Estudo da obra a ser descrita;
  2. Produção do roteiro;
  3. Ajustes de tempos e do texto;
  4. Ensaios
  5. Gravação;
  6. Sincronização.

A audiodescrição pode ser feita ao vivo. Esta forma é mais adequada em Festivais de Cinema, peças de teatro, espetáculos de dança, óperas e manifestações artísticas em geral, executadas ao vivo e em programas de televisão exibidos ao vivo.

Nesse tipo de audiodescrição, feito em cinemas e teatros, o equipamento utilizado é o mesmo que o da tradução simultânea. Os audiodescritores ficam em cabines narrando nos microfones e o som é transmitido para os usuários através de fones. A sessão de filme ou peça transcorre normalmente, sem interferência para o restante do público. O som original do filme ou da peça é captado pelo usuário de audiodescrição pelo próprio sistema de som da sala de cinema ou da voz dos atores no palco e o conteúdo audiodescrito pelo fone de ouvido.

Histórico resumido

A primeira vez que a audiodescrição apareceu formalmente descrita como tal, foi na tese de pós-graduação "Master of Arts", apresentada na Universidade de São Francisco pelo norte-americano Gregory Frazier, em 1975. Uma série de estudos começaram a ser feitos e os resultados favoráveis que foram sendo comprovados nessas primeiras experiências fizeram com que essa técnica se desenvolvesse em teatros, museus e cinemas dos Estados Unidos durante a década de 80. O encontro de Frazier com August Copolla facilitou a divulgação da audiodescrição pela América do Norte.

Em 1989 a audiodescrição foi realizada em alguns filmes do Festival de Cannes. Rapidamente, a técnica se estendeu por alguns países da Europa, principalmente no Reino Unido, que primeiro experimentou inserir a audiodescrição na televisão, principal meio de comunicação da sociedade mundial. Essa experiência ficou conhecida como "Descriptive Video Service". Graças ao êxito deste programa pioneiro, outras experiências foram estimuladas, como por exemplo, no Canal Network.

Em 1992, surgiu o Projeto Audetel, uma iniciativa britânica coordenada pelo Royal National Institute for the Blind, que se dedica a investigar os requisitos técnicos necessários para a incorporação da audiodescrição nas emissoras de televisão.

Na Espanha, a partir de 1991, foi desenvolvido o sistema Sonocine, que permitiu que as pessoas com deficiência visual seguissem a audiodescrição dos filmes exibidos na televisão através de um canal de radio especialmente habilitado. Os canais TVE e La 2 e TVE colocaram em prática essa experiência por algum tempo. Hoje, somente o Canal Sur ainda utiliza este sistema.

Em 1993, a Fundação ONCE, uma organização espanhola para a cooperação e integração social de pessoas com deficiência, começou um programa de investigação e pesquisa em audiodescrição, que culminou com a publicação da norma UNE 153020, intitulada: Audiodescripción para personas con discapacidad visual. Requisitos para la audiodescripción y elaboración de audioguías.

Atualmente, a acessibilidade nos meios de comunicação está na pauta de todo o mundo, sendo que em alguns países como Alemanha, Reino Unido, França, Espanha, Estados Unidos e Uruguai a audiodescrição já é uma realidade em cinemas, teatros, museus, programas de televisão e DVDs.

No Brasil.

No Brasil a audiodescrição é uma realidade recente. Alguns projetos de cinema e teatro, conectados com a tendência mundial de proporcionar acessibilidade, incluíram em seus produtos a audiodescrição, legenda oculta e em alguns casos, intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais).

* Graciela Pozzobon da Costa é atriz e audiodescritora. Desde 2003, coordena uma equipe responsável pela produção de roteiros e narração com audiodescrição em diversos filmes e peças de teatro.


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