O Mito da Limitação

02/07/2007 - Sérgio Teixeira*.

Apesar de a legislação em vigor, particularmente a Lei 8.213/91 e o Decreto 3.298/99, determinarem percentuais de contratação de pessoas com deficiência; apesar de se perceber certo aumento de contratações neste segmento social; apesar de se verificar certo empenho da fiscalização por parte das Delegacias Regionais de Trabalho, ainda são encontradas barreiras significativas para a inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho.

Uma delas diz respeito à própria visão que o mercado tem sobre estes sujeitos. Percebe-se que as organizações de trabalho têm pouco conhecimento sobre as diversas deficiências, sejam elas físicas, auditivas, visuais ou mentais. Falta de conhecimento tanto dos seus aspectos fisiológicos e psicossociais, como no tocante ao potencial criativo e profissional de cada pessoa.

O mito da limitação ainda é muito presente. A partir dele difunde-se a idéia de que pessoas com deficiência, seja qual for a deficiência, são pessoas que portam ou personificam o limite. E isto, muitas vezes, também é incorporado pelas próprias pessoas com deficiência e suas famílias. O grande desafio é desconstruir este mito e trabalhar com o paradigma da diversidade e que, a partir dela, todas as pessoas tenham potencial para ser desenvolvido, emergir e merecer investimentos.

A partir daí, aponta-se a barreira arquitetônica, que justifica para as empresas a não contratação de profissionais com cadeiras de rodas ou com deficiência visual. A falta de acessibilidade existe não apenas nas instalações físicas, mas nos próprios equipamentos de trabalho, que raramente permitem sua utilização pelas pessoas com deficiência, como, por exemplo, a falta de softwares específicos para deficientes visuais.

Considera-se que a legislação em vigor fez com que as pessoas com deficiência saíssem do campo da invisibilidade e começassem a fazer parte de maneira mais intensa das pautas sociais e institucionais. A própria natureza polêmica das cotas fez com que se travasse um debate em torno do assunto, dando-lhe destaque. Desta forma, há de se registrar que a legislação em vigor vem promovendo alguns ordenamentos e reordenamentos institucionais, apesar de não bastar. Há de se ter movimentos instituintes, emergentes e de derrubadas de estigmas.

Porém, não se pode perder de vista que a questão está diretamente ligada à implementação de políticas sociais, bem como de políticas públicas para esta área. Essas políticas devem ir na direção da desconstrução de preconceitos e da inclusão efetiva nos sistemas educacional e de saúde, garantindo o desenvolvimento de potenciais.

Existe a pergunta se as empresas estão "mais humanizadas" no tocante ao acesso de pessoas com deficiência. A resposta que se pode dar é que as empresas são humanizadas porque são compostas por seres humanos. Porém a grande maioria difunde, em seus discursos latentes ou manifestos, conceitos de normalidade baseados no mito do corpo perfeito, branco e heterossexual. Tudo que fuja a este padrão causa grande estranhamento e mal-estar, fazendo com que se criem dispositivos que rejeitam as diferenças.

Volta-se a frisar que o preponderante é trabalhar o conceito de diversidade. Há de se perceber cada sujeito como sujeito de direitos, sejam eles constitucionais, sociais ou humanos. Talvez as empresas ainda estejam longe de práticas mais inclusivas e menos preconceituosas, não só com as pessoas com deficiência, mas também com outros segmentos sociais historicamente discriminados, como os das mulheres, dos negros e dos homossexuais.

Não há de se pensar em contratações por obrigação, mas em contratações movidas por uma postura ética, que visa a inclusão social, o exercício das diferenças, a desconstrução de preconceitos e cidadania. Para isto há de se ter, em cada instituição de trabalho, uma política de inclusão, com passos explícitos para sua implementação. É importante estabelecer pauta e agenda para formulação e implementação de políticas sociais. Nas instituições de trabalho há de se incrementar o processo de estudo e sensibilização sobre o tema.

Porém, não seremos um país efetivamente democrático enquanto imperar o preconceito de forma nociva e com impunidade. O preconceito é propulsor da exclusão, do isolamento e da desapropriação da auto-estima daqueles que estão fora das rodas das fortunas!

* Sérgio Teixeira é psicólogo e gerente de Mercado de Trabalho do IBDD - Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Site Externo.