Descobri o gênero de filme que mais gosto: o audiodescritivo.
Paulo Romeu descreve sua experiência ao assistir um DVD, pela primeira vez, com recursos de acessibilidade para pessoas com deficiência visual.
Você já percebeu como é extremamente raro encontrar um cego em um cinema? Sabe porque? Simplesmente porque não temos como ler as legendas de tradução. É por isso que festejamos o surgimento dos videocassetes e dos DVDs, porque, com eles, podemos assistir os filmes em versão dublada, sem termos que esperar pelo menos dois anos, até que ele seja transmitido pela televisão. Pelo mesmo motivo, aproveitamos muito pouco da programação das TVs por assinatura. Mas este é outro assunto que fica para outra oportunidade. Agora gostaria de falar sobre o primeiro filme brasileiro com audiodescrição.
"Além de uma opção de áudio para portadores de deficiência visual, este DVD contém opção de menu com áudio para auxiliar a navegação. Para escolher esta opção, pressione a tecla 'enter' do seu controle remoto.". Esta é a mensagem que se ouve na abertura do DVD do filme "Irmãos de Fé", que tem a participação do Padre Marcelo Rossi.
Por indicação de um amigo, também deficiente visual, fui a uma videolocadora próxima de casa para alugar este filme. A primeira surpresa aconteceu já na videolocadora, pois a atendente, quando me viu com a caixinha de DVD na mão, foi logo falando: "olha, acho que você vai gostar muito desse filme, eu assisti e achei muito legal o locutor fazendo a narração das cenas que vocês cegos não conseguiriam entender. Não sei porque os outros DVDs não têm isso também".
A segunda surpresa, já em casa, foi ouvir a mensagem que mencionei acima e, ao apertar a tecla enter, escutei o menu de capítulos e o menu de extras do filme, e pude navegar pelas opções sem ter de pedir ajuda para ninguém. A sensação de independência foi indescritível... Pela primeira vez, eu pude controlar sozinho meu aparelho de DVD, selecionar o que queria e como queria assistir. Para muitos isso pode parecer uma coisa banal, algo que as pessoas que enxergam fazem sem se dar conta, mas, para um cego, o sentimento foi o de alguém que sentiu-se respeitado como cidadão.
A terceira surpresa foi durante a exibição do filme, ouvindo a voz de um locutor que, com frases curtas, aproveitando as pausas nos diálogos, descrevia as situações, as mudanças de cenas, enfim, transmitia todas as informações que, sem elas, seria impossível compreender o roteiro, a trama do filme.
Perdi a visão há 25 anos e, desde então, o cinema havia se tornado uma opção de lazer pouco atrativa. Há alguns anos acompanho, pela Internet, notícias de filmes produzidos com audiodescrição em países como E.U.A, Canadá, Reino Unido, Japão, e ficava esperando o dia em que os teríamos também aqui no Brasil.
Finalmente este dia chegou e, conforme dito pelo próprio Brent, diretor do "Making Off para Deficientes visuais", constante no menu de extras do DVD, espero que se torne padrão, não apenas para os filmes brasileiros, mas também para os filmes estrangeiros que, hoje em dia, já saem dos estúdios de Hollywood com a audiodescrição em inglês. Infelizmente, as distribuidoras e os laboratórios brasileiros de dublagem não traduzem a pista da audiodescrição e as retiram das cópias brasileiras, simplesmente por motivos econômicos, ou porque não sabem que 48% dos aproximadamente 25 milhões de deficientes no Brasil possuem problemas de visão.
(*)Paulo Romeu: cego, trabalha na Prodam e participa da Comissão de Estudos sobre Acessibilidade na Comunicação, da ABNT.
Escreveu o artigo acima a pedido da Assessoria de comunicação da AME - www.ame-sp.org.br, em dez/2005.
Seu e-mail: paulorf@prodam.sp.gov.br.