Um meio de mostrar ao mundo as diferenças do comportamento humano.
Olá, eu me chamo Raimunda, mas todos me chamam de Ray, nasci em Minas Gerais, mas moro no Rio de Janeiro, Brasil. Eu sou mãe do Filipe que tem o diagnóstico de Distúrbio Invasivo do Desenvolvimento, ou seja, Autismo.
Autismo é um jeito diferente de ser. O Autismo é facilmente confundido com deficiência mental. Atinge à crianças quase bebês, que não possuem defesas psíquicas para se defender e ataca principalmente a fala, uma das queixas principais. O cérebro é afetado na área da interação social e habilidades de comunicação, sendo quatro vezes mais frequente em meninos do que em meninas. Geralmente, tem deficiência na comunicação verbal.
Filipe é alfabetizado, ele aprendeu à ler sozinho com 3 anos. Até hoje ele gosta muito de ler de tudo, mas o jornal é seu preferido. Ele tinha tratamento especializado contínuo, pago pelo Ministério do Exército, já que em suas unidades hospitalares não possuía psiquiatra infanto juvenil que atendesse ao autismo. No entanto, faz 2 anos que eles não depositam o dinheiro em nossa conta, pelo sistema de reembolso. Sem o pagamento do Exército fica difícil, porque não temos como custear um tratamento tão caro!!!
Traiçoeiro e enganador, o Autismo deixa os pais perplexos, porque as crianças ao nascerem são normais. Filipe teve um apgar de 9, isto é uma nota que se dá à criança ao nascer. Ele chorou e teve todos os reflexos precisos, suas medidas tinham os padrões normais de um recém-nascido. Desde que saiu da maternidade sua evolução foi totalmente normal, sentou-se sozinho aos 6 meses, engatinhou e começou a balbuciar, mamã, papa e outras palavrinhas, andou com 1 ano de idade, era carinhoso e sociável. Jamais pela minha cabeça eu acharia que ele iria ter algum tipo de problema dessa natureza.
Aliás, naquela época, em 1983, quando ele nasceu, eu jamais havia visto falar em Autismo. Mas quando ele completou um ano e meio, foi ficando diferente, já não respondia mais as palavras ensinadas, parou de falar e gostava de ficar num canto brincando absorto com seus brinquedos, foi ficando cada vez mais quieto e solitário. Eu o chamava, mais ele não respondia, então eu dizia - toma! Ele olhava, pensando ser algo para comer! Era a única maneira de chamá-lo atenção!
No entanto, apesar dele não falar comigo do jeito que ele falava, eu continuei falando com ele, lhe contando histórias, esperando sempre uma resposta que não vinha... Era difícil saber o que ele tinha! Sua aparência era normal, que seria então?
a queixa principal era a fala, ele parou praticamente de falar e ficou mais ansioso. Isso fez com que ele desenvolvesse uma dermatite atópica violenta, isso o deixava com muita coceira, ele chorava muito e depois de se coçar bastante, ficava com marcas vermelhas pela pele. Isto era uma reação do corpo por causa do Autismo se instalando. O corpo brigava, reagindo dessa forma. Foi mais uma maratona de dermatologista, alergistas. Era um tubo de pomada de corticóide por semana, e não adiantava!
E eu com o coração cada vez mais apertado procurando uma ajuda, uma saída. Não aguentava ver meu filho sofrendo daquela maneira, sem achar um tratamento para ele.
Mas eu sou uma pessoa de muita fé e a resposta a isso foi Dra. Gabriella Lowe, dermatologista expert. Por causa das suas constantes viagens a Cuba Ela soube tratá-lo com êxito. E foi com ela que consegui cura-lo da dermatite atópica com um remédio oral e ele está bem até hoje!
Eu o matriculei, com 2 anos, na fonaudiologia no Hospital Central do Exército, mas ele não voltou à falar O tempo passou... neste meio tempo nada de novo nas consultas, apenas se limitavam à dizer que o problema era psicológico.
Então quando ele tinha 7 anos fui consultá-lo num hospital universitário, por eles estarem fazendo muitas pesquisas sobre (Erros Inatos do Metabolismo). No Hospital Clementino Fraga Filho (Fundão) a neurologista, Dra Laís Theófilo o atendeu. Ela passou exames mais específicos de tomografia, genética, exame de X frágil e Erros Inatos do metabolismo. Mais eles não deram nada. Ela então me encaminhou a uma amiga psiquiatra Dra. Maria Cristina Abreu, que havia acabado de chegar da França e estava cheia de novidades em psiquiatria infantil. Até eu conseguir uma consulta com ela, ele estava então com 8 anos.
Ela atendia nessa época no hospital universitário Pedro Ernesto(Hupe). Quando cheguei no consultório, fui logo dizendo:
- Dra. meu filho não é louco, ele tem jeito e eu desejo muito ajuda-lo, e a sra. não vai me fazer desistir...
Para minha surpresa ela sorriu e disse:
- Eu também acredito no seu filho, como você, vamos fazer de tudo para ajudá-lo.
Quase desmaiei quando ela me falou isso. Eu estava tão cansada de tudo, de tanta peregrinação e interrogações. Será que agora seria diferente?
Dra. Maria Cristina ajudou muito o Filipe e orientou toda a família a tratá-lo normalmente. No entanto, eu imagino como deve ser para aqueles pais que não podem ter um tratamento para seus filhos! Como eles podem viver?
Sabemos que o autismo não tem cura, mas se descoberto desde bebê o prognóstico é muito bom! Com o tratamento adequado, a criança pode ser reabilitada e também se evita internações desnecessárias, deteriorização da família por não ter o suporte necessário para cuidar da criança. O tratamento ajuda na socialização da criança, na sua felicidade. Ela participa da sociedade tendo contacto com o mundo. Uma criança autista, bem trabalhada, é totalmente independente na sua higiene corporal e pode até ser produtiva. Os pais vendo isto ficam mais tranquilos e felizes.
A Arte de Felipe.
O que o relaxa também são suas aulas de arte com a professora Vera Ranieri, que é artista plástica. Vera o ensinou a pintar, a manusear os pincéis, a misturar tintas. Tudo isso é muito demorado, exige paciência do Professor pois todo autista aprende por memorização. No atelier da Vera ele aprende pinturas acadêmicas, outro processo difícil pois ele não desenha quase nada, seu forte é o abstrato.
Eu fiz uma experiência em nossa casa. Comprei um grande cavalete tintas, pincéis de vários tamanhos, para ver o que saía, longe da interferência da sua Professora Vera. E ele gostou da novidade, passou à fazer estes quadros que estão aí e está terminando outros que irão ser expostos no site.
Nesses quadros não há nenhuma interferência de ninguém, Filipe escolhe as cores, determina os espaços, qualquer interferência no seu trabalho poderia anular todo o processo mental por ele elaborado. Ele fala dele em suas telas com toda à expressão! Sim Filipe fala através de suas telas. Seus sentimentos mais íntimos estão ali registrados nas suas pinturas. Vocês vão ver quadros negros de fortes cores escuras, este é o sentimento dele naquela hora e ele o coloca à sua maneira.
Minha casa virou um grande atelier com quadros espalhados pelo corredor, pelas salas e quartos. Faço isso para mostrar o quanto eu gosto de sua arte e quanto respeito seu jeito de ser! Esses quadros são a melhora do Filipe. Eles mostram que mesmo tendo toda uma dificuldade, ele possui uma pulsão criativa e imaginativa que sobrevive ao autismo. Nas suas pinturas ele se expressa através das suas cores.
O ser humano passa à ser Alguém quando realiza algo. Filipe consegue isso através de suas realizações plásticas. Sua arte é um meio de conhecê-lo, reconhecê-lo e achá-lo.
Considero os quadros de Filipe como sendo de valor cientifico e de estudos futuros, quem sabe? Gostaria de fazer uma exposição permanente dos seus quadros, já que ele possui uma grande produção. Guardei também trabalhos feitos com hidrocor de quando ele era pequeno com a mesma técnica dos quadros atuais. Esses trabalhos mostram que ele tinha esse tipo de intimidade com a arte dele atual desde então.
Uma coisa que me deixou um aperto no coração foi... Teria eu o direito de expor meu filho dessa maneira na net? Porque, na verdade, Filipe não está preocupado se vão gostar do seu trabalho. Se vão criticá-lo, premiá-lo, ou se seu trabalho vai estar em galerias, museus ou bienais, porque no autismo não existe este comprometimento social. Esta questão era sentida por mim, por causa do profundo respeito que tenho pelo Filipe. Mas ao mesmo tempo percebi que as pinturas dele são o jeito que ele escolheu para falar com o mundo.
Pais, vocês que têm filhos autistas, os ame, respeite esse jeito de viver, não importa se ele faça ou não algo especial, isso não é o importante, os elogie por qualquer coisa que façam, reforcem seu ego por dizer-lhes sempre - Eu te amo.
Termino com uma frase do médico neurologista inglês, Oliver Sacks... "O autismo embora possa ser visto como uma condição médica, também deve ser encarado como um modo de ser completo..."