Atração: A Sexualidade como Desafio aos Pais.

26/05/2008 - Jornal Diário do Nordeste - Fortaleza.

Fátima Azevedo alerta para a importância dos pais acompanharem os jovens na descoberta da sexualidade e de a sociedade acolher melhor esses adolescentes. As dificuldades na manifestação da sexualidade dos jovens aparecem pela falta de orientação

Embora bastante sociáveis e espontâneos, os portadores da Síndrome de Down, em geral, possuem uma vida social restrita. Por conta disso, eles encontram no convívio escolar a oportunidade para extravasar o afeto que, por muito tempo, fica guardado. E, melhor, os adolescentes são autênticos e não pensam duas vezes antes de demonstrar o carinho pelo próximo.

A médica especialista Fátima Azevedo, mestre e doutoranda em Genética pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) explica que, como os demais jovens, os adolescentes com a Síndrome de Down " gostam de conversar e fazer amigos. Gostam de dançar, namorar, beijar. Sonham como qualquer ser humano". Para a médica, eis, portanto, o importante papel da família em orientá-los sobre a sexualidade.


Em instituições que recebem portadores de Down, é visível a grande afetividade dos alunos. A necessidade de amar e ser amado é mais acentuada entre eles?

Ser afetivo é uma coisa e ter uma necessidade de afeto maior é outra. Os indivíduos com síndrome de Down realmente, na sua maioria, são muito sociáveis. O que acontece, às vezes, é que em muitos casos a vida social deles fica um pouco restrita. Ou devido a situação financeira da família, ou devido ao preconceito. Quando se encontram na escola, eles se abraçam, abraçam os professores. É na escola que está a maior parte do seu mundo, o seu maior convívio social. Adolescentes com síndrome de Down são como os demais. Gostam de conversar e fazer amigos. Gostam de dançar, namorar, beijar. Sonham como qualquer ser humano. O que acontece com eles é que são mais verdadeiros. Quando sentem, expressam logo os sentimentos que muitas vezes escondemos, ocultamos.

Sob o ponto de vista da genética ou orgânico, há entre eles maior desenvolvimento de hormônio relacionado ao desejo, à libido?

Cientificamente falando, não tenho conhecimento que a libido de portadores de Down seja maior que a das outras pessoas. O que deve ocorrer é o que acabei de comentar. Eles são mais autênticos. As famílias no momento adequado devem, junto a profissionais, trabalhar a questão da sexualidade e os cuidados em relação à prevenção de gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. São de fundamental importância a educação e a orientação do adolescente Down e de suas famílias em relação ao assunto.

Que dificuldades mais comuns eles enfrentam para a manifestação da sexualidade?

A falta de parceiros, a falta de orientação familiar, o preconceito de muitas famílias que rejeitam o fato do seu filho ou filha com Down namore um outro portador da síndrome.

Como pais e educadores podem orientá-los no que se refere à contracepção?

Cada caso é um caso. Os métodos contraceptivos que são ótimos para uma pessoa podem não ser para outra. As famílias devem ter um médico de sua confiança a quem possam solicitar orientação. Atualmente, os pais estão bastante atentos para essa necessidade de orientação.

No ambulatório do Hospital Walter Cantídio, que experiências mais significativas podem ser relatadas? Há caso de gravidez entre pacientes com Down?

Um de meus pacientes começou a namorar uma coleguinha da escola que frequentava e a mãe da garota proibiu o namoro. O garoto não conseguia mais estudar e passou a ficar triste e deprimido. Já um outro caso, os pais tinham condições e proporcionavam encontros para o filho adolescente. Numa outra ocasião, um de meus pacientes levou a namorada para me apresentar. O garoto tinha Down e a namorada era aluna da mesma instituição, mas não tinha Down. Em todos esses casos, as famílias sempre estiveram presentes apoiando e cuidando de seus filhos. É raro gravidez em portadores de Down, porém pode acontecer. Por isso e muitas outras razões, a educação sobre as questões da sexualidade são muito importantes.

Como definir, cientificamente, a Síndrome de Down?

A síndrome de Down é uma alteração congênita no número dos cromossomos. A maioria das pessoas nasce com 23 pares de cromossomos. Na síndrome em questão, ao invés da criança nascer apenas com dois cromossomos 21, ela nasce com três cromossomos 21. Motivo pelo qual a síndrome também é chamada de trissomia do 21. Sendo assim uma criança que deveria ter 46 cromossomos na sua constituição genética, pode vir a nascer com 47 cromossomos no caso desta síndrome. É exatamente esse material genético extra, o responsável pelo quadro clínico.

Mas por que síndrome?

A trissomia 21 leva o nome de síndrome porque seus portadores apresentam uma série de sinais que freqüentemente se repetem em todas as pessoas que apresentam a trissomia 21. Pessoas com síndrome de Down podem levar uma vida saudável e longeva desde que não desenvolvam complicações que podem vir associadas a essa trissomia.

Que características apresentam os portadores?

Muitas crianças com síndrome de Down podem apresentar um atraso importante no desenvolvimento neuropsicomotor (atraso na fala, no andar, no aprendizado), bem como alterações metabólicas, como o hipotireoidismo e malformações congênitas, como cardiopatia. Existem outras, portanto, que nascem sem qualquer alteração metabólica ou malformações congênitas. Um grande número de crianças com a síndrome podem ter um desenvolvimento bastante satisfatório, principalmente se corretamente estimuladas.

Quais as causas da alteração congênita no número dos cromossomos?

A síndrome ocorre por um erro na divisão celular. Um erro que, bioquimicamente falando, não sabemos ainda a causa específica. Faltou alguma substância, alguma proteína? Não temos ainda tal resposta. O certo é que uma divisão celular anormal pode levar a uma série de alterações citogenéticas responsáveis pela síndrome. A etiologia pode ser uma trissomia do 21, uma translocação, ou ainda mosaicismo cromossômico (mistura de linhagens diferentes de células).

Quais as consequências?

Variam muito. A trissomia pode estar em todas as células do indivíduo, mas podem não estar. Pode estar em uns tecidos e em outros não. Portanto, apesar de todos os indivíduos com síndrome de Down terem muito em comum clinicamente, quero dizer, na aparência, cada um apresenta suas próprias características, mantendo cada um as características da própria família. Uns vão desenvolver a fala mais rapidamente, outros vão demorar mais a andar, alguns vão ser mais comunicativos, outros mais reservados. Como qualquer um, podem apresentar ou não complicações mais ou menos importantes e que necessitem de intervenção clínica ou cirúrgica precoce.

Quais são os fatores de risco?

Idade materna a partir dos 35 anos e paterna a partir dos 50; casamentos consangüíneos (entre parentes), porque algumas famílias apresentam um risco maior para erros de não-disjunção cromossômica que outras. Isso é pensado quando existe mais de um caso da mesma síndrome na família. Pai ou mãe clinicamente "normal", que apresente algum tipo de translocação equilibrada envolvendo o cromossomo 21.

O que leva um casal que já tem um filho com o problema a conceber outro filho com a mesma síndrome?

Ou um dos pais tem translocação equilibrada envolvendo o 21 e não teve consulta de aconselhamento genético para orientação de cálculo de risco, ou um dos pais é portador de um mosaicismo baixo para trissomia 21 e os exames de rotina não foram capazes de detectar. Esses casos de mosaicismo paterno são mais raros, mas já atendi alguns.

Como a família e a sociedade devem lidar com o Down, levando-o a desenvolver suas potencialidades?

O profissional de saúde precisa se capacitar para aprender a lidar com o paciente portador da síndrome, seja ele criança, adolescente ou adulto, e para aprender a lidar com a família. Uma família bem orientada é o primeiro passo para uma história de sucesso no desenvolvimento de uma criança com Down. É importantíssima a maneira como a notícia é dada aos pais e as primeiras orientações. Pais bem orientados e com um profissional competente e humano, consegue lidar melhor com as dificuldades que, eventualmente, surjam no aprendizado de uma criança que precise de cuidados especiais. Estimulação interdisciplinar é fundamental desde as primeiras semanas de vida. A família deve amar, estimular, assumir essa criança como alguém que tem mais o que ensinar do que aprender. Ela deve entender que as crianças com a síndrome tem velocidade e forma de aprender diferente das demais. Entender que cada uma é única e com habilidades diferentes das outras.

Como a sociedade pode agir para reduzir as dificuldades de crianças com Down?

A sociedade deve acordar e se educar para acolher toda e qualquer criança, adolescente ou adulto com algum tipo de síndrome ou diferença, seja lá que nome for. Preconceito é sinônimo de desinformação. Preconceito é sinônimo de falta de educação. Uma sociedade que acolhe bem o cidadão é uma sociedade que propicia o desenvolvimento de cada um e de todos. Se cada um exercer uma postura pessoal de aceitação das diferenças, naturalmente leva essa postura para sua família, seu trabalho, para sua comunidade, para os projetos de leis, para os fóruns, enfim para os que com ele convivem


Jornal Diário do Nordeste - Fortaleza.
Quarta-feira - 21 de maio de 2008.
Reportagem: Mozarly Almeida.