Pessoas com Deficiência Bem Sucedidas no Trabalho.

26/09/2007 - Revista Sentidos.

Abrindo Caminho.

O que dizem os profissionais com deficiência que desbravaram o mercado muito antes da edição da lei de cotas, com competência e espírito de luta, mostrando como fazê-lo às novas gerações.

Os anos 90 foram marcados por uma conjunção de fatores que proporcionaram um grande avanço na inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. A medicina evoluiu e melhorou a qualidade de vida. O desenvolvimento tecnológico trouxe a popularização de computadores com recursos de acessibilidade e de órteses e próteses que ampliaram a autonomia. Tudo isso deu impulso à lei de cotas, criada em 1989, que determina que as empresas devem contratar um determinado percentual de trabalhadores com deficiência em relação ao número total de empregados (leia quadro nesta reportagem). A contribuição dos pioneiros que arriscaram tentar, muito antes da lei de cotas, foi decisiva para fazer a inclusão avançar.

Deise Fernandes.

Deise Fernandes.
Alberto Costa da Silva, Juliana Santos e Cristiano Picoli, com a chefe Deise Fernandes, que é cega.

"Sempre fui a primeira cega nos lugares que frequentei. Na faculdade, na academia, e também na CPFL, onde trabalho já há 27 anos", conta a consultora de recursos humanos Deise Fernandes, de 51 anos. "No início, nem eu nem a empresa sabíamos o que eu poderia fazer." A CPFL Energia é fornecedora de energia elétrica para 515 municípios dos estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Deise entrou na empresa como estagiária quando cursava a faculdade de Ciências Sociais na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Logo foi efetivada. Não por acaso. Ela foi de mesa em mesa, dos gerentes aos colaboradores, perguntando sobre a rotina de trabalho. E surpreendeu a todos apresentando um planejamento de reuniões, treinamentos, ligações e contatos. "Na época, não havia leitores de tela. Eu usava máquina de escrever. Acabei sendo convidada para trabalhar na área de planejamento estratégico."

Mais tarde, já no RH, Deise incorporou projetos seus ao treinamento de eletricistas, contribuindo para reduzir o número de acidentes de trabalho, e ao sistema de monitoria no call center. Em 2003, assumiu a liderança dos programas de oportunidades para jovens e valorização da diversidade. "Com os novos recursos tecnológicos, deixei de ser coadjuvante. Descobri que quanto mais alto o cargo, mais fácil é executar tarefas. O que não posso fazer na prática, oriento alguém para que faça. Mas para subir na escala profissional é preciso estudar e atualizar-se constantemente." E ela faz o que recomenda. Foram nove especializações ao longo da carreira. A última, concluiu em 2006, em gestão responsável para a sustentabilidade.

Marco Antonio Pellegrini.

O segredo da carreira de um profissional bem-sucedido - tenha deficiência ou não - é quase sempre o mesmo: estudo, dedicação, iniciativa e esforço pessoal. E, além disso, disposição e coragem para mudar. Foi o que aconteceu com o assessor de RH do Metrô de São Paulo, Marco Antônio Pellegrini, 43 anos. Ele assumiu a nova função há poucos meses, depois de avaliar que estava acomodado na área de tecnologia. Ali, liderava uma equipe de cinco pessoas. Faziam a especificação, instalação e manutenção regular dos equipamentos dos prédios administrativos do Metrô. "Quando surgiu a oportunidade de trabalhar com responsabilidade social e coordenar a inclusão da diversidade na empresa, encarei como um desafio."

Marco Antonio Pellegrine.
Pellegrini, em reunião de trabalho da gerência de RH do Metrô paulistano, ao lado da equipe.

Não foi a primeira mudança na carreira de Pellegrini. Ele enfrentou os peritos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que queriam aposentá-lo por invalidez depois que levou um tiro em uma tentativa de assalto e ficou tetraplégico. Quando aconteceu, em 1991, já era funcionário do Metrô - na área de projetos. A lesão foi alta e comprometeu o aparelho respiratório e todos os movimentos abaixo do pescoço. Por isso, Pellegrini precisou afastar-se do trabalho por três anos. "Mantive contato com os colegas e dizia que não esvaziassem minhas gavetas porque voltaria. Sempre achei importante dar continuidade à minha vida. O trabalho é parte importante dela."

A mesma situação foi vivida pelo advogado Geraldo Nogueira, de 48 anos, 17 anos atrás. "Quando sofri o acidente de carro que me deixou paraplégico, a perícia médica me colocou muito medo. Acreditei que seria incapaz de qualquer coisa", afirma. Ambos, durante o afastamento para reabilitação, concluíram os estudos. Pellegrini, a faculdade de matemática. Nogueira, a de direito.

Marco Pellegrini ainda buscou soluções para ampliar sua mobilidade. Comprou uma cadeira motorizada e aprendeu a usar o telefone e o computador usando a boca. "Retomei minhas funções, mas percebemos que eu estava limitado para exercê-las, já que boa parte do trabalho acontecia dentro das obras, em pátios e túneis. Passei, então, a exercer a mesma função, só que dentro dos prédios administrativos." Foi obra dele - e com êxito, diga-se - a preparação de toda a instalação telefônica e a estrutura operacional, no prazo de um mês, para a transferência dos escritórios que ocupavam dois edifícios para o atual endereço da companhia, no centro de São Paulo. "Planejamos até a estratégia de mudança, de maneira que as atividades não parassem." Agora, com a atuação na área de RH, ele decidiu fazer pós-graduação em tecnologia assistiva a fim de aumentar sua independência profissional. "Enfrentei muitas dificuldades. É muito gratificante viver de uma forma completa: como homem, profissional, pai e amigo."

Geraldo Nogueira.

Com a deficiência, Geraldo Nogueira especializou-se nos direitos e leis de interesse do segmento. Por isso, foi convidado, no início do ano, a assumir como diretor da Secretaria Municipal do Trabalho e Emprego do Rio de Janeiro para promover a empregabilidade de pessoas com deficiência. "Comando diretamente uma equipe de cinco pessoas. Devido ao cargo, tenho responsabilidade hierárquica com grande parte dos funcionários da secretaria", conta. Já que não haviam políticas públicas nesse sentido em andamento, o advogado, consciente de que dispõe de pouco tempo até as próximas eleições e uma possível mudança de governo, propôs ações possíveis de serem implementadas.

Geraldo Nogueira.
Nogueira e equipe: Micheli Sobral, Adriana Alexandre, Ivone Correia e Fernanda de Azevedo.

Assim, capacitou os funcionários dos centros da secretaria que atendem ao público para colocação no mercado de trabalho a receber pessoas com deficiência, inclusive com conhecimentos da Libras. E está promovendo a aproximação das empresas, órgãos fiscalizadores, governo e público para encontrar soluções. "O governo tem de oferecer bons instrumentos para que o processo avance e instituir um sistema coerente em que todos os atores se comuniquem. Fizemos o primeiro encontro integrado de empregabilidade da pessoa com deficiência, que surpreendeu pela procura. Tivemos de mudar do auditório reservado inicialmente, com capacidade para 150 lugares, para outro com 320. Compareceram representantes de 164 empresas" , afirma Nogueira.

Além do trabalho na secretaria, ele é sócio em um escritório de advocacia e diretor jurídico do Conselho Nacional dos Centros de Vida Independente (CVI-Brasil). É também segundo vice-presidente para a América Latina da Rehabilitation International, entidade que reúne 750 ONGs de 93 países, e coordena um grupo de oito pessoas que está transcrevendo o texto da Convenção Internacional de Direitos das Pessoas com Deficiência para uma linguagem mais simples e acessível ao grande público, a pedido do escritório da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil. Seria um desperdício uma pessoa com tamanha capacidade de produzir ser aposentada por invalidez. "Percebo que a pessoa com deficiência ainda sofre com a falta de credibilidade. Por isso, não ocupa lugares de destaque. Por outro lado, a sociedade está assumindo a sua responsabilidade pela falta de acesso e oportunidades. A inclusão está avançando", diz ele.

Conclusão.

Pellegrini, Nogueira e Deise são três exemplos bem-sucedidos da crescente presença das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. E eles conquistaram novos espaços trabalhando justamente com a questão da diversidade dentro das empresas. "Ainda somos poucos os que estamos em posição privilegiada", afirma Deise. "O grande perigo, no momento, é criar um novo paradigma de que as pessoas com deficiência não são capacitadas. Muita gente diz isso. E eu digo que somos deficientes, e não tontos! Hoje, um número enorme de pessoas com deficiência está estudando línguas, fazendo cursos e se aperfeiçoando. Sabemos da necessidade das empresas de cumprir as cotas, e, ao mesmo tempo, queremos melhorar de vida graças à nossa capacidade."

Deise Fernandes, Marco Antônio Pellegrini e Geraldo Nogueira conquistaram reconhecimento com muito trabalho. E ensinam, para quem ainda duvida, que profissionais com deficiência podem assumir responsabilidades, liderar equipes e ser bem-sucedidos.


Reportagem: Adriana Perri.
Foto: Fabio Braga e Eduardo Monteiro.
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