Artigo 29 - Participação na Vida Política e Pública.
O segmento das pessoas com deficiência recebe com um misto de alegria e expectativa a nova Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2006. Alegria por se tratar de um documento, com força internacional, que contribuirá para reforçar todo o arcabouço legal que ampara nossos direitos. E também com expectativa de como este documento vai se refletir nas ações e políticas dos países que participaram de sua elaboração e depois da ratificação daqui em diante, principalmente aqueles que ainda enfrentam graves desigualdades sociais.
Todos os artigos da Convenção foram muito bem elaborados e lançam novos olhares sobre as questões referentes à pessoa com deficiência, de acordo com o paradigma da inclusão social. Mas considero o artigo 29 - "Participação na vida política e pública" - fundamental para garantir os avanços da luta do segmento no mundo inteiro e, também, para promover avanços em termos de políticas públicas e participação efetiva em todos os momentos da vida da sociedade na qual está inserido.
Ao contar com a contribuição de mais de 800 ativistas da defesa dos direitos humanos das pessoas com deficiência de todo o mundo, inclusive do Brasil, a Convenção já nasce participativa e livre de incorrer em vícios que poderiam comprometer os conceitos e propósitos incluídos no documento. Esta participação garante também a inclusão das experiências vividas pelo segmento em diferentes partes do mundo.
Participação nem sempre foi uma premissa na história das pessoas com deficiência, muito menos participação política e pública. Até meados do século passado, estes indivíduos estavam submetidos à exclusão total. Quando surgiram as primeiras ações no campo das políticas públicas, a partir da segunda guerra mundial, chegaram com traço assistencialista e baseados no modelo médico. Até então a organização deste segmento praticamente não existia.
À medida que estas pessoas se organizam, ganham visibilidade e passam a ter maior participação nos diferentes meios da sociedade, os avanços chegam e com eles as mudanças baseadas na ampla participação do segmento e de suas representações constroem o conceito de inclusão social cristalizado no tema do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência de 2004: "Nada sobre nós sem nós".
No Brasil, a participação mais efetiva acontece a partir da preparação do Ano Internacional das Pessoas com Deficiência, em 1980. Até aquele momento, poucas eram as leis e as políticas destinadas ao segmento. A mobilização em torno do Ano Internacional (1981) foi intensa pelo Brasil afora e provocaram profundas alterações na forma de ver e lidar com as pessoas com deficiência, e estas também se despertaram enquanto sujeitos capazes de interferir e mudar a realidade.
No aspecto legal, a Constituição Federal promulgada em 1988 se torna um marco importante. O segmento conseguiu, a partir de mobilizações em nível nacional, incluir na Carta diversos artigos que asseguram direitos específicos para as pessoas com deficiência, como proteção ao trabalho, acesso à educação, à saúde, à assistência social e à acessibilidade. A partir da Constituição, vão surgindo leis e decretos que consolidam estas conquistas, e Estados e Municípios também começam a adotar medidas que reconhecem e promovem os direitos dessas pessoas.
No campo das políticas públicas e das ações práticas, estas conquistas legais também só se efetivam com muita luta. Podemos admitir que temos avanços na inclusão educacional, nos transportes que caminham muito lentamente para se tornarem acessíveis, na saúde em programas com diretrizes específicas para o segmento, e as comunicações que engatinham no quesito acessibilidade. Enfim, caminhamos bastante.
Entretanto, se analisarmos algumas estatísticas referentes ao segmento no Brasil - e que podem servir de base para outros países da América Latina, verificamos que os avanços das leis, das tecnologias e da formulação das políticas, estão longe da vida da maioria destas pessoas. Assim, não garantimos na prática a efetivação da cidadania plena e da inclusão social das pessoas com deficiência.
A maioria das 650 milhões de pessoas com deficiência no mundo inteiro ainda estão fora do mercado formal de trabalho. E quando estão no mercado formal, recebem salários mais baixos. A maior parte das cidades não oferece condições dignas de acesso, e as escolas ainda estão longe de oferecer educação inclusiva para todos.
Para reverter este quadro no Brasil, onde somos 24,5 milhões de pessoas, só com muito empenho, uma conta que não pode ser cobrada apenas do Estado, mas dos indivíduos e da coletividade. Neste sentido, a Convenção se torna um mecanismo muito importante.
Ao incluir um capítulo específico sobre participação na vida política e pública, o documento dá um passo importante na consolidação da democracia em nível internacional, como obriga que todos criem as condições ideais para que pessoas com deficiência possam exercer sua cidadania com dignidade e plenitude.
Isto não se traduz apenas na garantia de que as pessoas com deficiência possam votar com facilidade. Requer investimentos na formação e qualificação para que as pessoas tenham condições de participar ativamente da vida da sociedade, seja em entidades ou movimentos, seja em comissões ou conselhos de direitos, ou mesmo para que possam votar com consciência, ou serem elas próprias candidatos e candidatas aos cargos em disputa. É preciso que as informações possam ser acessadas sem nenhum entrave, transformando assim estas pessoas em protagonistas de sua própria trajetória.
Ao participar da vida pública, por exemplo, as pessoas podem ajudar a conduzir as ações que promovem qualidade de vida para todos. Passamos assim de sujeitos passivos para sujeitos ativos na construção da sociedade que sonhamos, para todos e todas, independentemente de suas condições pessoais e sociais.
Disposição para mais este desafio as pessoas com deficiência e suas organizações já demonstraram que têm. Prova disto foi a contribuição efetiva na elaboração e discussão de todos os pontos da Convenção, conforme informações divulgadas pela imprensa internacional e pelos próprios participantes. E como tem demonstrado em todas as lutas que travam, o segmento contribui não só para os avanços práticos, mas principalmente para avanços subjetivos como a superação do preconceito, o reconhecimento e o respeito das diferenças.
O Estado que garante a plena participação na vida política e pública de todos os seus cidadãos contribui para o que entendemos por cidadania de fato, que é possibilitar a todos os indivíduos habitantes de um país o seu pleno desenvolvimento, através do alcance de uma igual dignidade social e econômica.
* A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Comentada / Coordenação de Ana Paula Crosara de Resende e Flavia Maria de Paiva Vital - Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2008.
Claudio Vereza, Artigo 29 - Participação na Vida Política e Pública, Pág.: 97.
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