Artigo 27 - Trabalho e Emprego.
Inicialmente, faz-se mister um comentário sobre o contexto em que se insere a importante ocorrência de dezembro de 2006, que revelou a adoção, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, do 8º documento internacional de Direitos Humanos produzido pela própria ONU, qual seja a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. A leitura do preâmbulo, que a muitos pareceria supérflua é, na verdade, fundamental para a compreensão do alcance do texto da norma internacional e para a compreensão da circunstância política que o gerou.
A produção normativa da Organização das Nações Unidas iniciou-se após a Segunda Guerra, logo após a fundação do próprio organismo internacional e o registro daquelas normas é reiterado no preâmbulo aqui comentado. Assim é que o item "d" do preâmbulo enumera-os, o que se reiterará para facilitar a argumentação. São os seguintes:
- Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais;
- Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos;
- Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial;
- a Convenção sobre todas as Formas de Discriminação contra a Mulher;
- Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes;
- Convenção sobre Direitos da Criança e;
- Convenção Internacional para Proteção dos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias.
Também à guisa de reforço argumentativo, retomam-se alguns itens do preâmbulo, quais sejam, os das letras a", "b" e "c" para sublinhar, desta feita, que a principal força motriz da atuação da ONU é a preservação da dignidade inerente a família humana e da paz mundial, bem como a relevância dos direitos e liberdades atinentes aos pactos internacionais patrocinados pela Organização das Nações Unidas; tudo para garantir a universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-relação dos Direitos Humanos.
O direito ao trabalho é um Direito Humano universal assegurado desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Esse direito só se realiza plenamente, porém, com a implementação de outros inerentes à liberdade, à educação, à moradia, à alimentação, à saúde, à habilitação e reabilitação, por exemplo.
Trata-se da mencionada inter-relação e interdependência dos Direitos Humanos, que são, por isso mesmo, indivisíveis. Não há liberdade sem igualdade, tampouco esta sem aquela e ambas jamais prosperarão se medidas relativas à fraternidade humana não se implementarem.
Por outro lado, observa-se que há Convenções voltadas a minorias ou grupos vulneráveis como mulheres, crianças, negros, imigrantes, etc. É que logo se percebeu que uma lei votada pela maioria pode oprimir minorias, tal como se deu com a eleição de Hitler e as leis por ele propostas. Desse modo, a função da Convenção em comento é a de assegurar todos os Direitos Humanos a esse grupo vulnerável - as pessoas com deficiência - que em razão de barreiras físicas e atitudinais, não alcançou, até o presente, direitos mínimos inerentes às liberdades e à dignidade humana.
O direito ao trabalho está contido no artigo 27 da Convenção, cujo teor, sinteticamente é o de assegurar a liberdade de escolha de trabalho, adaptação física e atitudinal dos locais de trabalho, formação profissional, justo salário em condição de igualdade com qualquer outro cidadão, condições seguras e saudáveis de trabalho, sindicalização, garantia de livre iniciativa no trabalho autônomo, empresarial ou cooperativado, ações afirmativas de promoção de acesso ao emprego privado ou público, garantia de progressão profissional e preservação do emprego, habilitação e reabilitação profissional, proteção contra o trabalho forçado ou escravo, etc.
Como se vê, o dispositivo é bastante amplo, mas de abrangência exemplar, não sendo possível cogitar de se abandonar qualquer das disposições nele contidas. Com efeito, essas diretrizes foram estabelecidas, a princípio, em diversas Convenções da Organização Internacional do Trabalho, organismo pertencente à ONU e mais antigo que a própria ONU, eis que fundado em 1919, logo após a Primeira Guerra Mundial. São as Convenções 105, contra o trabalho forçado, 111 contra qualquer discriminação no trabalho e acima de todas, a Convenção 159 de 1983, cuja temática é o trabalho da pessoa com deficiência.
Desse modo, não se verifica nenhuma inovação especial no campo laboral no que diz respeito aos direitos das pessoas com deficiência. Isso do ponto de vista jurídico. A grande inovação parece ser o fato de que a ONU adotou a Convenção em prol das pessoas com deficiência, nela agrupando tudo que já se havia construído em Convenções anteriores da própria ONU e, no particular, pela OIT.
Em síntese, a legislação brasileira em favor da pessoa com deficiência no trabalho é a seguinte: artigo 7º, XXXI, da Constituição Federal, que proíbe discriminação para admissão e remuneração em razão de deficiência, o artigo 37, também da Constituição, que no inciso VIII garante reserva de vagas na Administração Direta e Indireta, além da legislação ordinária expressa pela Lei 7853/89, que assegura no artigo 2º uma política pública de acesso ao emprego público e privado; a Lei 8112/90, que estabelece a reserva de 5 a 20% dos cargos da Administração Direta e Indireta a pessoas com deficiência; a Lei 8213/91, que no artigo 93 fixa cotas de 2 a 5% de emprego para pessoas habilitadas ou reabilitadas nas empresas com mais de 100 empregados e, finalmente, o Decreto 3298/99 que regulamenta as leis anteriores, além do Decreto 5.296/04 que regulamenta as leis 10.048 e 10.098 ambas de 2000, para o transporte público adaptado e remoção de barreiras arquitetônicas.
Verifica-se assim, com essa pequena síntese, que o Brasil está caminhando par e passo com a Convenção, mas a importância da ratificação é fundamental para que se supere a flagrante fragilidade da eficácia das normas acima enumeradas, fragilidade que se deve a problemas inúmeros, como o próprio benefício de prestação continuada que desestimula o emprego em prol de uma política assistencial exacerbada, como a falta de fiscalização, por déficit material e humano, a falta de sanção nas leis, que não prevêem penas, a concentração de direitos em demasia em normas de caráter meramente regulamentar, como os decretos 3.298 e 5.296 e etc.
A Convenção, assim, universaliza o direito das pessoas com deficiência e, ao contrário do que alguns pensam, não significa um gueto institucional. É sim, sem sombra de dúvida, um instrumento jurídico adequado para que direitos nunca antes aplicados sejam efetivamente estendidos às pessoas com deficiência. É um instrumento jurídico certo para que os Direitos Humanos universais se viabilizem para esse grupo específico e para que eles se afirmem como um bem universal.
Embora o Brasil tenha auferido méritos com sua política de emprego para pessoas com deficiência, eis que de 2000 para cá, desde a edição do decreto 3.298 em dezembro de 1999, pôde-se estimar a contratação de cerca de 100 mil pessoas com deficiência por empresas e pela Administração Direta e Indireta, segundo observações empíricas que decorrem de estatísticas do Ministério do Trabalho, muito há que fazer, inclusive aperfeiçoarem-se os métodos estatísticos de avaliação, pois há pessoas com deficiência em demasia que ainda não tiveram chances reais e isso deve ser superado.
* A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Comentada / Coordenação de Ana Paula Crosara de Resende e Flavia Maria de Paiva Vital - Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2008.
Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, artigo 27 - Trabalho e Emprego, Pág.: 92.
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